Por mais que os compromissos eleitorais indiciem a aspiração de “tornar o território mais coeso, mais inclusivo e mais competitivo”, como consta do atual programa de Governo, a verdade é que a coesão territorial e o combate às assimetrias regionais não têm sido prioridade. Portugal é, cada vez mais, um país desigual onde, ao invés da intenção, o fosso entre litoral e interior se agrava ano após ano, década após década.
As estatísticas provam que existem duas realidades e dois territórios antagónicos no mesmo espaço geográfico. De um lado, as duas principais áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto, que concentram 45% da população do continente – e com a faixa litoral a representar 70% dessa população. E do outro, o interior, com cerca de dois milhões de portugueses que, para além de afastados dos centros de decisão, dispõem, em regra, ou da escassez de serviços públicos ou de escolas, hospitais, tribunais, acessos e equipamentos sociais de qualidade muito inferior.
Apenas 32 dos 308 municípios têm um poder compra acima da média nacional, que obviamente esses se localizam todos no litoral.
A questão de fundo é saber para quando é que o interior constituirá uma prioridade. Ainda há poucos dias, os nove signatários do Movimento pelo Interior, criado há três anos, o denunciavam "com alguma deceção, constatamos que pouco ou nada mudou de essencial para contrariar o paradigma do abandono dos territórios do interior e da falta de confiança para o investimento”.
Acontece que temos um Ministério da Coesão Territorial que nem sequer faz jus ao nome.
A interpelação ao Governo sobre esta matéria, requerida pelo PSD, na semana passada, desmascarou o embuste sobre as políticas para as regiões do interior, para os concelhos de baixa densidade, cidades, vilas e aldeias abandonadas, áreas industrialmente debilitadas e em regressão demográfica, que afinal voltam a receber meia dúzia tostões, esmolas de um Estado centralista e da Europa dos fundos e até dos prometidos milhões do PRR.
Também é inaceitável a estratégia do Governo para as telecomunicações, nomeadamente a calendarização da implementação da quinta geração (5G) de comunicações móveis, que deixa de fora uma parte significativa do território, em particular o interior. Cerca de um milhão de portugueses vai ficar excluído da rede 5G. O PSD tem insistido, mas em vão, na dotação de cobertura 5G para todo o território, a partir de critérios que não sejam exclusivamente de ordem demográfica, propondo prazos máximos para a instalação, por regiões distritos ou concelhos.
Paradoxalmente, estas falhas graves, ocorrem até nos territórios do litoral. A área mais interior de Vila Nova de Gaia – correspondente às freguesias de Sandim, Olival, Lever e Crestuma – em plena Área Metropolitana do Porto, tem uma fraquíssima cobertura do sinal de internet, ao nível da pré-história das telecomunicações.
O mais comum nestes territórios é o serviço ADSL, que no máximo garante velocidades de 24 MBps, mas, na maior parte dos casos, abaixo da metade daquele valor. Estas populações pagam impostos, como todos os outros portugueses, mas o Estado discrimina-os e torna-nos desiguais no acesso à escola à distância, aos serviços de proximidade e ao teletrabalho.
O Governo diz-se da transição digital, mas pensa, funciona e decide em modo analógico. Quer fazer mais, mas ainda não fez o que devia. Esta situação prova que, em vez de retórica, o ministério de Ana Abrunhosa tem de ter mão na ANACOM, indiciada ela própria de incompetência e desregulação, por parte dos concorrentes no leilão 5G, que o Governo anda a vender como mãe de todas as soluções.
O interior são as pessoas, de corpo inteiro e com alma também, são famílias e empresas que desesperam por oportunidades de um Estado, de que são contribuintes líquidos, mas beneficiários discriminados. O interior está de joelhos, vergado ao desprezo dos governos socialistas. Não precisamos de repetir Pedrógão Grande para voltarmos a sentir tamanha vergonha coletiva.
A correção das assimetrias regionais não se constrói com anúncios ou propaganda, muito menos com boas intenções. Bem pode o Governo continuar a dissertar sobre coesão social e territorial, inovação social e qualidade dos serviços públicos, mas no fim o país acaba sempre por esbarrar de frente com a sina socialista.
Hoje, nas bancas, os títulos anunciam que “o Governo vai reduzir portagens das ex-SCUT, mas não sabe como, nem quando”. Cantar, cantam eles, e muito! Mas fazer, fazem, mas muito pouco!
Artigo publicado originalmente no Povo Livre