5 de maio de 2021
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Há demasiado tempo que o sudoeste alentejano e a costa vicentina se tornaram territórios à margem da lei e do Estado de direito. São regiões onde reina a desresponsabilização do Estado, isto é, do poder central e até das autarquias locais, perante um problema de violação dos direitos humanos.

Poderosas multinacionais e industriais do ramo agrícola instalaram-se na faixa entre Vila Nova de Milfontes e Aljezur, implantando um sistema de produção intensiva de fruta e produtos hortícolas. As estufas tomaram conta da paisagem, com quilómetros de corredores de plástico, que deixam um rasto de destruição ambiental duradouro, nomeadamente a pressão hídrica e a erosão dos solos. Uma autêntica peste negra agrícola a longo prazo. 

Como não há agricultura sem mão de obra, os empresários recorrem ao trabalho temporário, que recrutam no Leste europeu e na Ásia – Índia, Nepal, Paquistão e Bangladesh. A proximidade do porto de Sines, como já ficou provado em investigações judiciais, serve de porta de entrada para o tráfico desta mão-de-obra, a quem é foi prometido um oásis de prosperidade, trabalho e alojamento e que depois é vítima de um inferno da dependência social e económica. Triunfam as máfias de escravatura e auxílio à imigração ilegal, que chegam a cobrar 10 mil euros por cada indivíduo que introduzem em território nacional.

Num ápice, quando parecia tudo bem, somos confrontados com a existência de 13 mil migrantes, a maioria dos quais em condições deploráveis de habitação, que gozam de salários e direitos sociais abaixo dos países do Terceiro Mundo. E este cenário de horror só agora ganha destaque, porque uma cadeia de contágio de covid-19 ganhou relevância de índole nacional.

O PSD, em tempo oportuno, já tinha apresentado iniciativas legislativas e alertado para este barril de pólvora. Os projetos do PSD, que transversalmente reclamam a implementação de políticas de reorganização administrativa, urbanística e laboral, esbarram sempre na inércia do Governo. 

Odemira e Aljezur são territórios de baixa densidade, que experienciaram um crescimento económico muito relevante nos últimos 20 anos, muito à custa do prejuízo das comunidades locais, como é público e notório nas carências evidenciadas nos serviços públicos – na saúde, educação, justiça, finanças, notariado, segurança social, forças de segurança e transportes públicos.

Não obstante este seja o elefante no meio da sala, o que temos assistido é à incúria e a um flagrante fracasso do Governo. Os Ministérios da Agricultura, Ambiente, Justiça, Administração Interna, Trabalho e da Saúde não foram, nem são capazes de cuidar destes territórios, onde grassam os fenómenos de desumanidade social e laboral. Não espanta, pois, a emergência de um sentimento de revolta e de intolerância contra quem vai trabalhar para as explorações agrícolas, porque o Estado se demitiu de funções.

Por causa da pandemia, o Governo socialista impôs duas cercas sanitárias em Odemira e acabou por atirar mais lenha para a fogueira, decidindo isolar as populações e decretar a requisição de um empreendimento privado, entre as quais 170 das 270 habitações, são de cariz familiar, própria e permanente. É mais um episódio de uma incompreensível deriva gonçalvista, como aconteceu com o regime especial de expropriações e servidões administrativas, no âmbito de projetos do Programa de Estabilização Económica e Social.

São decisões como estas que nos fazem recuar ao PREC, onde o Conselho da Revolução, decidia e decretava nacionalizações a torto e direito. 

Decisões à imagem das afirmações que podemos ver no documentário “Torre Bela”, de Thomas Harlan, produzido em 1975, que retrata a Reforma Agrária: “Qual é valor da tua ferramenta? Tudo isto é da cooperativa. (…) Daqui a nada, também o que visto e calço também é da cooperativa”.

Para os socialistas de 2021, corremos o risco de voltar à discussão sobre a legitimidade das cooperativas, mas numa versão atualizada: basta pôr cidadãos contra cidadãos, basta fechar os olhos aos direitos humanos dos migrantes e, na tentativa de emenda, praticar um novo ato reiterando uma nova violação, desta feita contra o direito de propriedade.

O vírus da covid-19 expôs à saciedade o vírus da incompetência do Governo, para que não se conhece, nem vacina nem antídoto. É este o tempo do PIEC.*

* Processo da Incompetência em Curso
 

Artigo originalmente publicado no Povo Livre