A pandemia de covid-19 incentivou o recurso, de forma inédita, ao teletrabalho. Esta modalidade de trabalho, em princípio, tem a vantagem de diminuir o número e tempo das deslocações, flexibilizar o horário de trabalho, promover a mobilidade entre serviços e até permitir ganhos de produtividade.
E esta modalidade voltou a ser uma das medidas centrais do segundo confinamento geral. “É obrigatória a adoção do regime de teletrabalho, independentemente do vínculo laboral, da modalidade ou da natureza da relação jurídica, sempre que as funções em causa o permitam”, assim determinou o Governo.
Porém, estamos perante um contrassenso. É o próprio Estado que impôs a lei, que está em reiterada violação do normativo. De acordo com informações do Ministério, do universo de 70.000 trabalhadores da administração pública, que poderiam estar a exercer funções na modalidade de teletrabalho, apenas 45.000 estão a prestar serviço a partir de casa, menos 34% em relação a março de 2020.
O Governo que nos pede para ficar em casa é, afinal, o mesmo que recusa que os funcionários trabalhem online, o que contradiz o constante apelo ao dever de recolhimento domiciliário.
Os sindicatos acusam mesmo o Governo de nada fazer para evitar os abusos das chefias e das direções de serviços, que estão a limitar ou a recusar esta modalidade de prestação de trabalho.
Era também expectável que, estando mais funcionários em trabalho presencial, os serviços públicos estivessem a operar com mais eficácia. Mas infelizmente não é isso que está a acontecer. Pelo contrário. O atendimento com pré-marcação nas repartições de finanças ou nos Registos e Notariado está cada vez pior. Não há filas, é certo, porque há agendamento prévio, mas está de volta a cadência de atendimento do passado.
Para conseguir uma marcação numa repartição é preciso esperar longas semanas, meses até. E com as sucessivas prorrogações do prazo de validade dos documentos, basicamente, os mesmos portugueses que têm o privilégio de constituir uma sociedade, na hora, recuaram aos anos 70 e estão obrigados a identificar-se com um talão ou a conduzir com cartas caducadas.
O Governo, que pede sentido cívico para travar a terceira vaga, é o mesmo que decreta uma espécie de confinamento “light”, com meias medidas, onde a exceção é a regra. No caso, podemos até falar de uma espécie de teletrabalho “low cost”, já que o Governo que impõe aos empregadores os custos com o teletrabalho, nomeadamente o consumo de telefone e de Internet, é o mesmo que recusa pagar aos funcionários públicos qualquer compensação por encargos de idêntica natureza.
Só o tempo dirá se o Estado conseguiu aproveitar esta crise para aprender com ela, também no recurso ao teletrabalho. A ministra do Trabalho já anunciou, a este propósito, que o Governo, vai elaborar um livro verde sobre o trabalho no futuro. Mas para já, o que temos é um livro carregado de contradições. Nem uma crise desta dimensão serviu para introduzir um choque de mentalidades nas relações e na organização laboral. O Governo, que tanto se orgulha de ter um Ministério da Transição Digital, pode ter-nos deixado, também nesta matéria, em modo analógico.
Artigo publicado originalmente no Povo Livre