José Cancela Moura: O circo orçamental

15 de outubro de 2020
PSD

É o primeiro Orçamento do Estado de João Leão e, para já, o que se sabe é que o Governo entregou uma proposta, sem garantia de aprovação por parte dos seus parceiros à esquerda.

A coordenadora do BE quer um compromisso por escrito e jura que não tem condições, ainda, para viabilizar o documento. O PCP garante que as propostas são insuficientes, diz que não irá ceder a pressões e mantém todos os cenários em aberto.

Ao contrário, o Primeiro-Ministro, na sua condição de ilusionista e artífice da propaganda, admitia, sábado, que estavam “criadas as condições” para um acordo com o BE e com o PCP, tendo em vista a aprovação do Orçamento. Ficamos, pois, sem saber onde começa o teatro de Catarina Martins ou onde acaba o “bluff” de Jerónimo de Sousa. Sabemos que para casar uma geringonça bastam estes três nubentes e o enlace depende apenas do leilão das promessas de Leão.

De resto, foi o próprio ministro das Finanças que, na conferência desta terça-feira, alimentava as aspirações de um movimento ortodoxo que junta um conjunto diverso de fundamentalistas de esquerda radical, travestidos de democratas: “O Orçamento do Estado vai tentar responder às principais questões que foram colocadas pelos parceiros, em particular o Bloco de Esquerda”.

Na substância, o Orçamento, tal como tem sido hábito nos anos anteriores, é um manancial de erros, lapsos e confusões. A principal “gaffe” era concessão de um empréstimo de 468 milhões de euros para financiar o Novo Banco, mas que o Governo se apressou a corrigir, afirmando que, afinal, este montante se destina à CP.

Pode até ser uma simples gralha, porém, o que ainda não foi desmentido é que o Ministério das Finanças vai autorizar a TAP a contrair um empréstimo de 500 milhões de euros, com o aval do Estado. E mais, segundo consta “um valor ainda indicativo e referencial”, ou seja, está mais que visto que a TAP irá precisar mais do que 500 milhões de euros previstos para 2021, de acordo com as palavras do ministro, para além do auxílio dos 1.200 milhões de euros, de 2020.

É verdade que a pandemia deixou de rastos todas as companhias aéreas internacionais; mas o estado financeiro da companhia não pode ser motivo para esconder a verdade aos contribuintes. Quanto é que a TAP precisa para levantar voo e sair de uma crise, que também é de liderança e de falta de estratégia do agora principal acionista, o Estado? Ou será que a TAP serve apenas para alimentar o inner circle do PS?

Nos números e nas previsões do Orçamento reina a confusão na gestão do “poucochinho”.

O Governo, estima que a economia cresça 5,4%, quando a recessão para este ano pode atingir os 8,5% do PIB, um valor ainda mais pessimista que a queda de 6,9%, admitida no Orçamento Suplementar. Quer dizer que Portugal, em 2021, irá recuperar talvez metade do que afundará em 2020.

A recuperação para 2021 assentará, sobretudo, mais no consumo público e menos no consumo privado. Também não no investimento ou na procura externa. O Estado estará a gastar muito mais com a covid-19 do que o que diz, mas a economia está literalmente parada. Não fora os dividendos do Banco de Portugal e o défice estrutural manter-se-ia inalterado, na ordem dos 2%, entre 2015 e 2019. Como se vê, a alegada consolidação orçamental dos últimos quatro anos, que nos vendem como sólida, não passa de uma quimera, sem qualquer base estrutural.

E o contexto da pandemia não pode servir de pretexto para justificar tudo, nem para tolher o nosso raciocínio.

Quem escolhe a esquerda ortodoxa e radical para negociar e aprovar orçamentos não pode esperar que seja o PSD a salvar o Orçamento. Um Governo que cativa o dinheiro dos contribuintes, em nome da ideologia, não pode pedir ao PSD que faça o papel de mulher enjeitada. Quem quis casar com a geringonça, que assuma o dote por inteiro. Pode ainda não ser neste outono, mas a prazo será esta aliança de conveniência que irá ditar o destino do atual Governo. Mas, na verdade, depois do casamento, mesmo que seja esse o desejo do PS, não se pode devolver a noiva ao pai.

Artigo publicado originalmente no Povo Livre