O Governo diz que tem uma ambição. Mudar o estado da ferrovia.
O Plano Ferroviário Nacional, anunciado esta segunda-feira, promete ligações entre todas as capitais de distrito e ainda cobrir com carris todas as cidades com mais de 20 mil habitantes. Não deixa de ser caricato que um dos piores ministros do XXII Governo, com a tutela dos transportes, nos apresente um plano com tantos objetivos e sem fazer contas a nada. Não há um único esquiço que seja sobre custos. O que Pedro Nuno Santos nos trouxe é apenas um PowerPoint oco, com trinta slides de fantasia.
Claro que a ferrovia deve ser uma prioridade, mas também queremos saber se é exequível e financeiramente sustentável. Mas, infelizmente, o panorama é francamente desanimador. Em 2021, o país tem o mesmo número de quilómetros de ferrovia que tinha em 1893, tão longínquo que Portugal ainda era uma monarquia constitucional. São 2.546 quilómetros de linhas que, hoje, na prática, funcionam como uma manta de retalhos e, mais grave, 40% das quais foram desativadas nos últimos 47 anos.
Este Plano Ferroviário Nacional vai entrar agora na fase de discussão pública, mas não passa de uma quimera. A este propósito, convirá lembrar o que os socialistas têm feito nos últimos seis anos. Na verdade, muito pouco.
A Linha do Norte é um permanente estaleiro, sempre em obras. O Metro do Mondego, que prevê readaptar o antigo ramal ferroviário da Lousã, teima em não sair do papel. A Linha do Alentejo concentra carruagens antiquadas. A modernização da Linha do Oeste está numa ameaça de arranque e a empreitada de eletrificação do troço entre Sintra e Torres Vedras, com a beneficiação de estações e apeadeiros, promete estar concluída dentro de três anos. A recuperação da Linha do Tua é uma miragem. A Linha do Douro, com a modernização até Barca d’Alva e a reposição da sua conexão com a rede ferroviária espanhola, em Salamanca, não avança. A Linha do Minho já está eletrificada até Viana do Castelo, mas não tem passageiros para Vigo.
Nestas circunstâncias, falar em plano, com novas linhas e redução dos tempos de viagem, é o mesmo que sonhar com a vinda de D. Sebastião. Por outro lado, a gestão dos transportes pelo ministro Pedro Nuno Santos, tal como o seu antecessor, o eurodeputado Pedro Marques, prima pelo ridículo, é uma verdadeira anedota. A CP acaba de reclamar um perdão de dívida, ou seja, quer que os contribuintes – sempre os contribuintes – paguem os disparates das sucessivas administrações. A TAP está numa encruzilhada. Está a proceder ao maior despedimento coletivo de que há memória, mas eufemisticamente chama-lhe apenas “medidas de adesão voluntária”. Parece que o prometido CEO, de origem alemã, já se arrependeu de vir. De comboio não vem de certeza, porque o Lusitânia Comboio Hotel deixou de operar entre Lisboa-Madrid.
Depois, não basta estalar os dedos ou esperar que as viagens de avião com menos de 600 quilómetros desapareçam da Europa, como defende o ministro. O Governo diz que só em 2030 será possível viajar de comboio entre Lisboa e o Porto em pouco mais de uma hora. Será que podemos acreditar ou é outro anúncio, que não passará da intenção?
Alguém acredita escolher fazer a viagem Lisboa-Madrid, de comboio – cerca de 510 quilómetros em linha reta – quando continua a ser mais vantajoso, no custo e no tempo, fazê-la de avião? Aliás, qual o preço justo para uma viagem desta distância e respetiva contrapartida pela pegada de carbono? Conseguirá mesmo o país “transferir uma parte significativa do transporte rodoviário e aéreo para a ferrovia”, quando é necessário, também, mudar os comportamentos dos clientes? Não seria mais sensato testar primeiro no transporte de mercadorias e optar por uma logística rentável, retirando de circulação os veículos mais poluidores e de grande envergadura?
Nenhum modelo de negócio sobrevive se não for rentável. Ou então, o Estado terá de subsidiar constantemente linhas sem passageiros entre cidades com mais de 20 mil habitantes, mas contar-se-ão pelos dedos aqueles que irão abdicar do transporte próprio.
Este ano comemora-se o Ano Europeu do Transporte Ferroviário, que põe a nu a política delirante do Governo para a ferrovia. O Governo está nitidamente de costas voltadas para a realidade. Um Governo que tem mais olhos que barriga e que continua a vender-nos promessas e delírios, para português pagar.
Artigo publicado originalmente no Povo Livre