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Todas as novelas têm um fim, mas nem sempre têm finais felizes. No futebol, as transferências fazem parte da atividade desportiva competitiva, mas nem sempre os jogadores saem de forma pacífica dos clubes onde se destacaram. Nas Finanças, a novela terminou com a exoneração de Mário Centeno, como o próprio fez questão de salientar, ao fim de 1664 dias.
O “Cristiano Ronaldo das Finanças” sai de cena, mas no pior momento. É o próprio que força uma transferência, por conveniência e benefício pessoal, em prejuízo de toda a equipa. Parte, até, sem honra e cabisbaixo, deixando uma pálida imagem da estrela que diziam que era, numa equipa que se desagrega, a cada dia que passa.
Mário Centeno herdou do PSD um País em pleno crescimento e recuperação, depois do PS o ter levado à bancarrota. E ao primeiro sinal de uma crise, que ainda nem sequer começou, abandonou o País. E ainda por cima, com fortes indícios de receber um prémio. Socialista mais socialista não há.
Portugal está, de facto, a caminho de registar o “annus horribilis” das contas públicas em mais de cem anos, com a dívida pública a galopar os 135% do PIB, o défice a ultrapassar os 9% do PIB, o desemprego a voltar a crescer acima de dois dígitos, as empresas a desesperarem por negócios e mercados, o turismo completamente depauperado e as famílias assustadas pelos contornos de uma nova crise financeira, muitas das quais em completa dependência de apoios sociais e outras com os rendimentos reduzidos a dois terços. E se isto não é austeridade, eu vou ali e já venho.
Esta é a realidade, dura e crua, que Centeno deitou para trás das costas. Contas certas com os cofres cheios é tarefa para qualquer um. Difícil mesmo, é acertar as contas, em tempos de crise.
Saiu, simbolicamente, no dia da aprovação do Orçamento Suplementar, em Conselho de Ministros. Ironicamente, não irá executar o documento que ele próprio elaborou. Porque é sempre mais fácil prever do que executar. Porque é sempre mais fácil abandonar o barco, antes que o barco se afunde.
Mas o País não esquecerá o autor material da maior carga fiscal de sempre, das cativações e dos recordes da dívida pública.
Rui Rio já antevira este cenário, quando, em outubro passado, na apresentação do programa do Governo, previa que Centeno estaria a prazo no maior e mais caro governo da história da nossa democracia. A transferência da última tranche do Fundo de Resolução para o Novo Banco foi a gota de água, numa relação que azedava entre o Primeiro-Ministro e o seu despromovido quarto ministro de Estado.
“O Novo Banco foi a mais desastrosa resolução bancária alguma vez feita na Europa”, afirmava Mário Centeno na última das suas audições parlamentares, depois de ter admitido que não informara o Primeiro-Ministro da transferência de 850 milhões de euros, que autorizara dias antes. Nesse dia, Centeno encenou a sua demissão do Governo e, no mesmo ato, negociou, em São Bento, os próprios “termos da rendição”.
É nos momentos mais difíceis que se exige um Governo competente, com uma estratégia mobilizadora e com ministros tão corajosos, quanto desprendidos, que sirvam o País de forma desinteressada e com espírito de missão.
Era isso que se esperava do Governo e de António Costa. Não desiludiram. Foram iguais a si próprios.
É isso que se espera de Mário Centeno, agora que o Parlamento aprovou um “período de nojo” de cinco anos para quem tenha desempenhado funções no Governo, na banca ou em consultoras financeiras e que pretendam ascender ao cargo de governador do Banco de Portugal.
“A vida é feita de ciclos”, disse António Costa, esta terça-feira, na conferência de imprensa de despedida do ex-ministro e aspirante a Governador do Banco de Portugal. Neste caso, podemos mesmo dizer que a vida também é feita de circos. Ainda que os números sejam de péssima qualidade. Neste particular, entrada de Leão e saída de sendeiro, perdão, de Centeno.
Depois da geringonça, um Governo sem tino e agora sem Centeno.
Artigo publicado originalmente no Povo Livre