Notícias relacionadas
A estória da indicação do Procurador Europeu começou mal e pode acabar da forma mais trágica. Depois da irresponsabilidade da ministra, a desresponsabilização do Primeiro-Ministro. Todo o procedimento, desde a fase de seleção até à designação do nome escolhido, constitui um folhetim inquinado, envolto de nepotismo, mentiras e contradições, sem qualquer explicação.
O Governo não honrou a escolha do Conselho Superior de Magistratura, ao preterir o candidato melhor classificado em detrimento de outro concorrente. Nem a ministra Van Dunem, que é magistrada de formação, honrou um princípio basilar, o da imparcialidade, optando por politizar uma escolha que o Governo queria impor desde o início, contrariando a classificação de um painel de 12 peritos internacionais.
Coincidência, ou talvez não, a magistrada que foi afastada, investigava casos que envolvem personalidades ligadas ao PS. Lá vem outra vez à memória, a velha e estafada máxima, “quem se mete com o PS, leva”. Outra coincidência estranha é o facto de Ana Carla Almeida ser preterida, pela segunda vez, num concurso desta natureza. O primeiro episódio ocorreu quando a procuradora perde a candidatura para o Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF).
No meio deste novelo, aparece ainda o nome de José Luís Lopes da Mota, magistrado punido com 30 dias de suspensão, por pressões a colegas magistrados que dirigiam a investigação do Freeport e que ocupa, presentemente, as funções de adjunto da ministra da Justiça, sendo de resto o membro daquele gabinete ministerial com a remuneração mais alta – basta consultar o portal do Governo para confirmar. E lá vem, de novo, a costumada lembrança de que, quem apoia o PS, é premiado pela fidelidade.
Finalmente, ficou agora a saber-se que a carta enviada pelo Governo português à União Europeia para justificar a designação do magistrado José Guerra, continha três mentiras curriculares, ainda por cima preparadas “na sequência de instruções recebidas” e cujo “seu conteúdo integral era do conhecimento do gabinete da senhora ministra da Justiça”, como denunciou o diretor-geral demissionário em comunicado, que tão depressa foi publicado no site do Ministério da Justiça, como foi apagado no minuto seguinte. O Primeiro-Ministro, diz que constituem apenas “lapsos sem relevância”, procurando com este eufemismo segurar mais um ministro de um Governo em pleno estado de calamidade e um Conselho de Ministros, cada vez mais, preso por arames.
A nota que acompanhava o curriculum de José Guerra à Representação Permanente de Portugal na União Europeia (REPER) identifica o procurador como “procurador-geral-adjunto”, mas não é, porque apenas procurador, como tendo tido uma participação “de liderança investigatória e acusatória” no processo que envolvia a UGT, mas não foi, o que também é falso e como tendo dirigido “o maior departamento nacional no âmbito da criminalidade económico-financeira”, quando a Procuradoria-Geral da República desmente essa afirmação, que esclarece que a maior estrutura do Ministério Público ao nível da investigação do crime económico é o Departamento Central de Investigação e Ação Penal.
Para a ministra, são três lapsos, que justifica com os canais diplomáticos de Lisboa. Mas são lapsos, são mesmo mentiras. Porque não se trata de nenhum erro de escrita, mas antes de afirmações intencionais, que contrariam a realidade e que objetivamente visaram favorecer o procurador escolhido, com qualidades curriculares que este não tem e às quais o próprio procurador poderá estar alheio, mas que não podem passar em branco. Só assim se percebe que a ministra queira manter toda a documentação fechada a sete chaves.
A Procuradoria Europeia é uma instituição independente e altamente especializada, cuja missão é investigar, instaurar processo e preparar a acusação contra quem pratique crimes que prejudiquem o orçamento da União, nomeadamente fraudes na obtenção de subsídios e outros apoios financeiros, fraudes relacionadas com o IVA, corrupção e branqueamento de capitais, pelo que a continuidade do procurador José Guerra na Procuradoria Europeia torna Portugal um caso de anedota.
Quanto vale a palavra de um ministro? E a palavra do Estado português? Quando Portugal inicia a presidência do Conselho da União Europeia, três mentiras do Governo colocam a reputação de Portugal em xeque. Demasiado grave. E é também absolutamente inaceitável “sacudir a água do capote” e atirar lama para cima dos diretores-gerais, o elo mais fraco da administração, que acabam sacrificados para salvar a face do Governo, como antes já havia acontecido, no caso SEFgate.
Neste particular, à ministra, nem o “in dubio pro reo” lhe vale. A ministra da Justiça, que aceitou a demissão do diretor-geral, ainda não tomou consciência, nem retirou consequências das responsabilidades que lhe incumbem, num caso de lesa-pátria, que mina, de forma grave, a credibilidade do Estado português. É preciso que a ministra, decididamente, reconheça a insustentável leveza da sua posição.
Artigo publicado originalmente no Povo Livre