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É preciso encontrar soluções para esta crise, que possam gerar já um impacto positivo e que a médio e longo prazo contribuam para empresas mais robustas, sustentáveis e com maior autonomia financeira.
Acrise económica provocada pelo covid-19 terá implicações profundas no tecido empresarial. Como escrevi aqui na semana passada, o FMI prevê uma quebra do PIB real, para 2020, de 8%. Adicionalmente, o FMI prevê uma quebra do PIB potencial de 3,5%. Em ambos os casos, trata-se da maior quebra de sempre do PIB (real e potencial). Como também lembrei, em 2012, no pior ano da crise, o PIB real caiu 4%, o PIB potencial caiu 1.5%. Falamos de valores, que considero até serem otimistas, que são o dobro da recessão de 2012.
Para se ter ideia do que significa uma quebra de 8% do PIB real, façamos o seguinte exercício, cujos resultados podem ser vistos no gráfico abaixo: Consideremos o PIB de 2001 (ano anterior ao da substituição do escudo pelo euro) como base 100. De seguida, vemos a evolução do PIB real.
O que se constata é que, em termos do PIB real, passamos do valor de 112 (o mais alto das duas décadas, mas ainda assim apenas 12% acima do valor de 2001) para o valor de 103. Este valor de 103 (ou seja, apenas mais 3% que o valor de 2001) é igual ao de 2016, que por sua vez é igual ao de 2011, que por sua vez era igual ao de 2005. Basicamente, nos últimos 20 anos andámos sempre em pequenos avanços seguidos de recuos.
Estamos, portanto, na mesma posição de riqueza que estávamos há 20 anos. Na realidade estamos pior, porque em comparação com a média Europeia divergimos. E fomos ultrapassados por vários países do Leste Europeu, que quando entraram em 2004 eram bastante mais pobres que nós.
A quebra significativa da atividade económica e da capacidade instalada do tecido empresarial Português resulta de diferentes dinâmicas relativas a esta crise:
- Temos empresas que estão a manter parte significativa da sua faturação, ou porque redirecionaram a sua produção para bens que são agora essenciais (como as máscaras e os géis) ou como os supermercados, que conseguiram manter a sua atividade, apesar de alguma quebra de faturação.
- Temos empresas que tiveram uma quebra muito significativa da sua faturação, mas que poderão recuperar relativamente rápido, como é o caso do pequeno comércio e da indústria. No caso do pequeno comércio dependerá sobretudo da capacidade de adaptação às novas circunstâncias e da dimensão da quebra de rendimentos. No caso da indústria, dependerá de manter as suas linhas de abastecimento e distribuição e do volume de encomendas. Na indústria será preciso readaptar em alguns casos para novas necessidades e será preciso ir atrás dos clientes antigos, para que não se percam neste período de confinamento, mas também procurar novas oportunidades.
- Temos empresas duramente atingidas e em setores que vão demorar muito tempo a recuperar, como o turismo, o imobiliário e, na aviação comercial, a TAP.
- E, por último, temos empresas, em todos os setores, que por falta de apoios e crédito vão fechar e já não vão reabrir.
Tudo isto é agravado por diversos fatores relacionados com a estrutura de empresas da economia Portuguesa. Antes de mais, muitas empresas Portuguesas são pouco competitivas e têm baixo nível de rentabilidade. Isso é agravado pela pequena dimensão das empresas. Apenas 0,1% são consideradas grandes empresas (sendo que essa classificação se aplica às empresas com mais de 250 trabalhadores – diga-se que uma empresa com 250 trabalhadores dificilmente pode ser considerada, no contexto Europeu e mundial, como uma grande empresa). Cerca de 80% das empresas são microempresas (isto é, menos de 10 trabalhadores).
E as empresas Portuguesas estão muito endividadas. Dados do Banco de Portugal, de 2018, mostram que o total de ativos das empresas Portuguesas cifra-se em cerca de 545 mil milhões € (545 biliões na notação americana – 545 bis). Só que os capitais próprios são apenas 193 bis. Ou seja, os capitais próprios são apenas 36% dos ativos. Os passivos são cerca de 352 bis, ou seja, quase o dobro dos capitais próprios. Sendo que os passivos financeiros (isto é, as dividas a bancos ou outro tipo de empréstimos – ex: obrigações) são cerca de 185 bis. Quase tanto como os capitais próprios.
Quando consideramos apenas as PME´s, o cenário é igual. Os ativos valem cerca de 360 bis, mas os capitais próprios são 129 bis. Resultado, os capitais próprios são apenas 36% dos ativos. Os passivos financeiros são 123 bis.
Basta pensar que se esta crise reduzir os capitais próprios em 10% do seu montante em 2018 (mesmo que em 2019 possam ter crescido um pouco), então estamos a falar de uma redução de valor das empresas em torno dos 20 bis.
Estes 20 bis, mesmo que fossem totalmente substituídos por dívida financeira – isto é, sem falências ou redução de atividade – apenas contribuiriam para aumentar o problema no médio e longo prazo.
Com mais 20 bis de dívida financeira, o rácio capital próprio/ativos reduzir-se-ia, para o conjunto total das empresas, de 36% para 30%. Por outro lado, os passivos financeiros seriam superiores aos capitais próprios (205 bis de passivos financeiros versus 173 bis de capitais próprios). Nas PME´s o cenário seria igualmente desolador. Os capitais próprios desceriam também para 30% dos ativos, passando de 129 bis para 116 bis, subindo os passivos financeiros de 123 bis para 126 bis (assumindo aqui também uma redução dos capitais próprios em 10%).
Assim, o futuro da economia Portuguesa tem também de passar por capitalizar as empresas e promover o seu aumento de escala.
É preciso encontrar soluções para esta crise, que possam gerar já um impacto positivo, e que a médio e longo prazo contribuam para empresas mais robustas, sustentáveis e com maior autonomia financeira.
Nesse sentido, o Conselho Estratégico Nacional do PSD, tendo já, no passado dia 4 de abril apresentado um pacote com 18 medidas de resposta aos problemas imediatos de liquidez e crédito das empresas e famílias, apresentou ontem algumas das medidas de capitalização de empresas que irão constar do seu programa de recuperação económica, que iremos apresentar no final deste mês ou início de junho.
P.S. 1: O Banco de Portugal e o INE divulgaram o Inquérito Rápido e Excecional às Empresas – COVID-19 – Semana de 20 a 24 de abril de 2020. Cerca de 80% das empresas tiveram quebras de faturação e 40% assinalam quebras de faturação superiores a 50% das vendas de fevereiro. Cerca de 60% reduziram o pessoal a trabalhar, sendo que 26% reduziram o seu pessoal em mais de 50%. Note-se que as empresas estão a considerar como motivo de quebra de atividade até mais a falta de encomendas que as restrições provocadas pela pandemia. Sinal que a paragem, sendo global, afeta muito as empresas exportadoras.
P.S. 2: A DGO publicou no passado dia 27 de abril a síntese de execução orçamental mensal de março de 2020. Os números de março devem ser vistos com cautela face à crise do Covid-19. A paragem brusca da economia nacional, a quebra do PIB e o impacto económico desta crise não estão ainda espelhados nestes números de março.
Comecemos pela receita. A receita de IVA cobrada em março é na quase totalidade IVA liquidado de janeiro. Isto porque no regime mensal a entrega da declaração do IVA e o pagamento ocorre até ao 15º dia do 2º mês seguinte (o pagamento até ao 20º dia). No regime trimestral (1º trimestre que só terminou a 31 de março) a entrega da declaração ocorre em maio (até ao 20º dia do 2º mês seguinte, para entrega declaração, sendo o pagamento até ao dia 25). Já a receita de IRS e das contribuições para a Segurança Social (TSU empresas e dos trabalhadores) refere-se às remunerações de fevereiro. Significa isto que, em IVA e IRS, o imposto devido em março diz respeito a atividade económica de janeiro e fevereiro, ainda não afetada pela crise e pelo confinamento. Ou seja, estes números são números pré-crise. Não mostram em nada o efeito económico da crise que começou em meados de março. Não mostram efeitos da atividade económica e também não mostram sequer efeitos na liquidez. A quarentena iniciou-se a meio de março, exatamente na data limite para o pagamento destas obrigações fiscais.
O que nos mostram os números da receita fiscal de março? Que a atividade económica em janeiro e fevereiro já estava a abrandar de forma significativa.
A receita fiscal, em termos homólogos (isto é, comparada com março de 2019), caiu 0,2%. O IRS aumentou, em termos homólogos, 3,2%, mas o IRC subiu apenas 0,1%. O IVA, que em 2019 cresceu 7%, dá agora sinais, antes do confinamento e da paragem brusca da economia, de forte desaceleração, embora haja também algum efeito de aumento dos reembolsos.
É verdade que a quebra do IRC de 30% resulta do adiamento do pagamento do PEC (Pagamento Especial por Conta), mas dada a natureza facultativa desse pagamento (desde que a empresa tenha, nos 2 anos anteriores, cumprido as obrigações fiscais), existem sérias dúvidas que as empresas o venham a realizar, diferindo algum eventual IRC a pagar para maio de 2021, aquando da entrega da Mod. 22. Também a quebra do imposto de selo resulta do adiamento para abril, face à entrada em vigor de um novo modelo declarativo.
P.S. 3: O regime de lay-off foi um insucesso do ponto de vista da sua organização e funcionamento. Recorde-se que demorou mais de 3 semanas até o governo conseguir fechar o enquadramento jurídico. Uma trapalhada com vários diplomas que foram corrigindo sucessivos erros e lapsos. Adicionalmente, as exigências eram kafkianas, com mais de 20 documentos necessários. Tipicamente Português e socialista. Burocracia em cima de burocracia. Depois, era claro que a Segurança Social (uma entidade extremamente burocratizada e com baixo nível tecnológico) não ia conseguir responder às dezenas de milhares de pedidos. Mas também diga-se que a solução tecnológica encontrada é confrangedora. Teria custado muito criar um site mais funcional, em que a dimensão dos ficheiros não fosse um problema ou em que anexar ficheiros separados não fosse causa para exclusão?
Entretanto, o governo já veio dizer que até ao dia 15 de maio estará tudo resolvido. Só que há centenas de milhares de trabalhadores que ficaram sem os seus rendimentos de abril. Pena que ninguém se tenha lembrado deles nas manifestações no 1º de maio.
Artigo publicado no ECO.