Um plano para mais Estado

13 de julho de 2020
PSD

Uma visão estratégica muito interessante, bem escrita, mas pouco adequada à realidade nacional e sem medidas concretas.

Esta quinta-feira foi divulgado o plano do Eng. António Costa e Silva. É um documento extenso, mas que dizem ser ainda uma versão preliminar. O documento tem, naturalmente, qualidade e partes com as quais concordo. Dentro desses pontos, há três que não posso deixar de salientar.

O primeiro é a afirmação no documento de que a “recuperação da economia se faz pelas empresas e pelo mercado”. Muito bem! Isso é contraditório com o discurso e a ação do governo e é também contraditório com o próprio documento do Eng. António Costa e Silva, mas é exatamente o que o PSD tem vindo a dizer desde sempre.

O segundo tem a ver com esta frase lapidar:

  • “A partir de setembro de 2020, a situação de muitas empresas pode deteriorar-se significativamente e é fundamental existir no terreno um programa agressivo para evitar o colapso de empresas rentáveis, que são essenciais para o futuro da economia portuguesa. O espaço temporal que vai mediar entre a significativa deterioração da economia no segundo semestre de 2020 e a chegada da ajuda europeia em 2021, pode ser fatal para muitas empresas se não existirem respostas adequadas.”

O Eng. António Costa e Silva tem toda a razão. Desde março que o PSD diz isso. Mas não precisa de se preocupar Sr. Eng, esse plano já existe: é o programa de recuperação da economia que o PSD apresentou no início de junho e que pode ser consultado aqui. Agora só tem de convencer o primeiro-ministro e seu homónimo António Costa que deve implementar o programa do PSD. E talvez não seja assim tão difícil. Houve já várias medidas que o Governo adotou baseadas no nosso programa: alteração ao reporte de prejuízos, mexidas no regime fiscal das fusões e aquisições, as alterações nos seguros de crédito às exportações e o crédito fiscal ao investimento.

O terceiro tem a ver com a forma como o programa do Eng. António Costa e Silva desfaz o cenário macroeconómico do Governo. No plano, o Eng. António Costa e Silva é claro ao dizer que o PIB cairá pelo menos 10% este ano (e até menciona uma queda de 12%), em linha com as previsões de todas as entidades nacionais (CFP, BdP) e internacionais (Comissão Europeia, OCDE e FMI). Mas bem longe dos 6.8% de quebra que o governo prevê.

No entanto, lendo o documento apresentado pelo Eng. António Costa e Silva, não posso deixar de concordar com a crítica que aqui no ECO lhe foi feita pelo António Costa, diretor deste jornal (três Antónios Costa no mesmo artigo deve ser inédito!). É um documento com poucos números, pouca sustentação empírica e sem metas e objetivos claros.

Além de que o plano parte de quatro condições de base que não existem: uma administração pública que responda aos desafios, uma justiça eficaz e célere, um correto aproveitamento dos recursos financeiros e um território resiliente. Ora, o plano do Eng. António Costa e Silva pouco diz sobre administração pública e justiça (enfim, tem umas generalidades para dizer que está lá alguma coisa) e também pouco diz sobre o aproveitamento dos recursos financeiros e sobre o território.

Também quase nada é dito sobre a competitividade das empresas, a atração do investimento estrangeiro, o sistema fiscal ou a capitalização das empresas. Também sobre o setor financeiro, sobretudo o bancário, tem umas linhas vagas – setor que vai voltar a estar debaixo de imensa pressão nos próximos anos.

A prova que este plano é mais Estado, Estado, Estado e investimento público, com o governo a tudo dirigir e a tudo controlar (indicando até os setores onde os empresários devem investir) é que o investimento privado tem direito a três linhas, muito vagas e irrelevantes. (“Ao investimento público, acresce uma contribuição crucial de investimento privado no desenvolvimento de projetos e infraestruturas, que incluem, por exemplo, investimentos associados aos leilões para parques solares e projetos da responsabilidade de entidades que desempenham funções de serviço público.”)

É mais um naco de prosa socialista. Muito floreado, muito bem escrito, com umas tiradas muito giras sobre geopolítica e estratégia, mas com pouco de substantivo e concreto.

É um plano sobre energia e ambiente, onde o autor é um especialista, com umas generalidades sobre transportes e depois umas notas soltas sobre as outras áreas, para que não se diga que não estão lá. E com muito investimento público, como sucede sempre com os socialistas. A velha receita do passado. E quando se fala em obras públicas, convém recordar uma notícia de há poucas semanas: das empreitadas de obras públicas, só cerca de 30% são realizadas por empresas nacionais.

Também me preocupa que no documento pouco se fale de como se vai financiar todo este plano. Eu sei que há o programa de recuperação Europeu e o quadro comunitário 21-27. Sucede que nenhum dos dois está fechado e decidido. Creio que teria sido mais útil que o plano do Eng. António Costa e Silva fosse apresentado depois de se conhecer o programa Europeu. É o que faremos no PSD. Primeiro, em abril, apresentámos o programa de emergência (crédito e liquidez para as empresas e rendimento para as famílias). Depois, em junho, o programa de recuperação económica (para 2020-2022, com medidas viradas para as empresas, o investimento privado e as exportações, bem como para setores como a agricultura, mar, turismo, habitação, transportes e saúde). O programa estratégico será apresentado depois de ficar perfeitamente claro qual o enquadramento Europeu de resposta a esta crise económica.

Naturalmente que há pontos neste documento com os quais concordo. Pontos esses que são hoje razoavelmente consensuais: a necessidade da aposta na ferrovia, sobretudo nas ligações a Espanha; a melhoria competitiva dos portos nacionais; a aposta no cluster do Mar e nos recursos endógenos na agricultura, floresta e minérios; a imperiosa necessidade de fazer uma transição digital e de potenciar o impacto das novas tecnologias; e a necessidade de uma transição energética e uma descarbonização da economia.

Neste último ponto, o da transição energética e uma descarbonização da economia, preocupa-me o foco exagerado no hidrogénio. Falarei disso em breve, mas parece-me que os planos do governo nesta área são uma quimera que pode trazer custos brutais aos contribuintes e aos consumidores de eletricidade.

Adicionalmente, volto a reforçar um ponto que fui dizendo ao longo destes últimos dois meses (e não tenho o prazer de conhecer pessoalmente o Eng. António Costa e Silva). Não é crível nem razoável que se coloque um plano estratégico para os próximos 10 anos nas mãos de uma única pessoa. Não há “homens providenciais”.

Deixem-me dar dois exemplos do que quero dizer. O primeiro é o do governo do presidente Macron. A resposta à crise e o plano estratégico foi entregue a um grupo alargado de especialistas, de diferentes valências e perfis. Pese embora nesse grupo estejam o Jean Tirole (Nobel da Economia em 2014) e o Oliver Blanchard (ex economista-chefe do FMI e apontado todos os anos como potencial Nobel da Economia). Mesmo com dois vultos de prestígio internacional, o presidente Macron não entregou a recuperação económica da França a uma personalidade, mas a uma equipa.

O segundo exemplo é o do programa de recuperação económica que o PSD apresentou no início de junho e que coordenei enquanto Presidente do Conselho Estratégico Nacional do PSD. Esse documento tem no final, por ordem alfabética, o nome de 24 pessoas de diferentes áreas (economistas, gestores, empresários, juristas, engenheiros, médicos, etc).

Em síntese, este plano enferma dos problemas que estes planos sempre têm. Uma visão estratégica muito interessante, bem escrita, mas pouco adequada à realidade nacional e sem medidas concretas. E é contraditório com a afirmação de que a recuperação da economia se faz pelas empresas. Porque quase tudo é Estado e investimento público. Muito pouco é empresas. A velha receita do passado, que tão mau resultado deu.

Artigo publicado no ECO.