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Na década de 1990, garantiam-nos que a banca portuguesa era um setor competitivo e sólido da economia. Todavia, as crises financeiras das dotcom, em 2001, e do subprime, em 2008, provocaram abalos tremendos na economia nacional e rapidamente se constatou que a banca, afinal, assentava em areias movediças. Um mito que caiu por terra.
Os Estados e as instituições europeias tiveram de tomar medidas drásticas para conter o contágio sistémico de um setor frágil, que mascarou, durante anos a fio, as suas próprias debilidades internas. Em 2013, promoveu-se a união bancária, para aumentar a confiança no sistema financeiro e minimizar os riscos de falência das instituições, que punham em causa os depósitos das famílias e os lucros acumulados pelas empresas. Os bancos foram, então, sujeitos a regras exigentes para garantirem que estariam aptos a enfrentar novas tempestades financeiras. A economia real e as finanças públicas não podiam dar-se ao luxo de correr mais riscos.
Em Portugal, a derrocada do BPN, BPP, Banif e Banco Espírito Santo expuseram um sistema de decisores ruinosos, comandados por gestores sem escrúpulos, sem ética empresarial, e manipulados por governantes criminosos e irresponsáveis. O colapso daquelas instituições sobrou para os contribuintes, que suportaram, primeiro, os prejuízos, mais tarde, os custos da reestruturação.
Os bancos conseguiram em parte livrar-se dos ativos tóxicos, mas não dos seus arquitetos funestos. Num sistema bancário doméstico tão exíguo e limitado, era comum os administradores transitarem de um banco para o outro. Uma autêntica dança de cadeiras entre administradores da Caixa Geral de Depósitos, Millenium BCP, Santander, Novo Banco e Montepio.
Vítor Fernandes, que foi administrador do Novo Banco, foi o nome escolhido pelo Governo para presidir ao Banco Português de Fomento (BPF). A operação “Cartão Vermelho” veio lançar suspeição sobre o envolvimento do administrador em negócios que a justiça quer agora passar a pente fino. Não obstante o princípio da presunção de inocência, Vítor Fernandes já não se livra do princípio da desconfiança que o envolve. Não é arguido, mas corre o risco de ser arrastado pela lama de negócios postos a nu neste verão judicial, um dos mais quentes de sempre.
O Banco de Portugal (BdP) deu luz verde para Vítor Fernandes ser o presidente não-executivo do BPF, mas aguarda autorização da Comissão de Recrutamento e Seleção para a Administração Pública. A famigerada CReSAP já avisou que não tem como impedir a consumação da decisão, uma vez que o parecer que vier a dar não tem caráter vinculativo. A entidade reguladora do setor, que desde há muito se tem revelado uma espécie de zombie no quadro dos seus poderes, vem assegurar que a idoneidade de Vítor Fernandes “será devidamente ponderada”. Normalmente, o BdP, que é lesto a atualizar a lista negra da situação bancária de cada português – consumidores que falharam pagamentos – parece ter imensas dificuldades para aferir se um quadro de topo tem o perfil para administrar os fundos europeus.
Pedro Siza Vieira, ministro da Economia, afirmava, em fevereiro último, no Parlamento: “o Dr. Vítor Fernandes tem uma carreira inteira na banca”. Como se esta afirmação, por si só, fosse um aval de credibilidade ou uma garantia dos méritos do chairman que o Governo escolheu, por razões de fidelidade e de confiança política. Mas manifestamente parece que já não há condições para ser confirmada.
O Banco de Fomento corre o risco de ser um case study mundial. Elege o Conselho de Administração, mas o chairman permanece em suspenso, pelo embaraço dos factos e das decisões ainda por escrutinar do escolhido. Prosseguir com esta nomeação, significa escamotear o que, aos olhos de todos, é um erro. Mas o que nasce torto, tarde ou nunca se endireita.
Artigo publicado originalmente no Povo Livre