José Cancela Moura: A risada

8 de julho de 2021
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Desde a audição na comissão parlamentar de inquérito à Caixa Geral de Depósitos, em maio de 2019, que o futuro de Joe Berardo estava traçado. O riso trocista do empresário passou a ser uma imagem de marca, mas mais que isso, um caso de polícia. Mil milhões de euros não são trocos e o empresário teria de ser responsabilizado por todos os negócios ruinosos que oneraram os bancos, pelo menos, CGD, BCP e Novo Banco, mas que sobretudo lesaram os contribuintes.

Só uma economia de casino, dos anos de ouro do prodígio socialista, José Sócrates, permitiu que Joe Berardo pudesse obter crédito para, imagine-se, comprar participações sociais. Por exemplo, ações para tomar de assalto o BCP. Só que os títulos da bolsa são como o fogo de artifício. Umas vezes sobem e estoiram bem, outras vezes corre mal e estoiram nas mãos de quem atira os foguetes. E, neste caso, rebentaram na banca e nas entidades financeiras, onde se inclui uma panóplia de acionistas, banqueiros, administradores, gestores, analistas de risco, advogados e contabilistas, que também têm de responder pela gestão danosa das instituições de que eram decisores.

Toda a gente viu, mas ninguém fez nada. As empresas de serviços profissionais multidisciplinares, auditoras, consultoras e entidades de certificação de contas, o Banco de Portugal, regulador do setor, os bancos, os governos e até as autoridades judiciais.

Tardou, mas a justiça avançou, sem medo, que tenta agora salvar a face e punir o empresário madeirense, que fez fortuna e ainda teve o dom de subjugar a autoridade do Estado, através de uma coleção de arte instalada no Centro Cultural de Belém. Todas as investidas dos credores para cobrar ou executar créditos vencidos foram infrutíferas e esbarraram sempre numa teia de complexos mecanismos de ocultação e de dissipação de ativos. As leis podem, afinal, ser peças mais criativas do que as próprias obra de arte!

“Eu pessoalmente não tenho dívidas” é uma das frases que ecoam na audição de Berardo no Parlamento e, infelizmente, em rigor, ele poder ter juridicamente razão. Quem efetivamente é devedor é o carrossel de empresas e sociedades que ele detém, cuja responsabilidade é camuflada por um novelo de normativos legais. 

O empresário que mantinha uma vida de luxo como se não devesse nada a ninguém, orgulhava-se até de ter apenas, como património, uma garagem localizada na Madeira. O mito urbano de uma pensão mensal de 2.584 de euros também caiu por terra quando, na semana passada, desembolsou cinco milhões de euros para pagar a caução a que foi sujeito para aguardar julgamento em liberdade. 

Subsiste, de facto, o perigo de fuga do comendador, porque cinco milhões de euros são “peanuts” para um homem que fez fortuna fácil. E também fácil será repetir o feito de Carlos Ghosn, antigo patrão da Renault-Nissan, que fugiu do Japão, onde aguardava julgamento por crimes financeiros fiscais – estamos a falar uma dissimulação do vencimento de cerca de 37,7 milhões de euros – escondido numa caixa de instrumentos musicais. Não tardará e um dia destes ainda veremos Berardo a exilar-se musicalmente em segurança, de onde possa contemplar a angelicalidade da justiça portuguesa. Talvez se tivesse justificado uma medida de coação mais gravosa. 

Curiosamente, ou talvez não, há um elemento comum a este caso, e em torno dos megaprocessos judiciais em Portugal, que é Armando Vara. O rosto de toda a teia de interesses dos governos Sócrates, bancário de profissão que, na Caixa, se tornou banqueiro. Deixou de fazer operações de balcão, para passar a ser recetor de robalos e carregador de fotocópias para os amigos viciados em ostentação e impunidade. Quem tem Vara por amigo, tem um amigo para a toda a vida.

O Estado não pode render-se a estes agitadores de pocilga, que ainda se vitimizam ou disseminam uma versão romântica para que deles haja compaixão. Portugal esteve a saque, às mãos de Sócrates, Vara, Berardo e outros que tais. Eram também os Donos Disto Tudo. Que paguem exemplarmente por tudo o que fizeram de mal ao país e aos contribuintes. Joe Berardo, mais que o risco dos investimentos, foi, afinal, um falso investidor que pôs em risco a credibilidade da própria banca. Também ele terá de pagar.
 

Artigo publicado originalmente no Povo Livre