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É natural que cada um dos membros do Governo tenha uma forma própria de pensar e de agir. No entanto, no exercício de funções, todos eles são, por natureza, solidários e, como tal, costumam evitar a divulgação pública de opiniões ou convicções pessoais que possam prejudicar a ação do Executivo. A opinião de um ministro que contradite, publicamente, a de outro membro do Governo pode até prejudicar, de forma grave, a eficácia das próprias decisões. Em ultima ratio, poderá até fragilizar o Primeiro-Ministro e abrir caminho para minar a própria autoridade do Estado.
A cada dia que se agrava a insustentabilidade da crise sanitária, económica e social, agravam-se também as tensões internas do Governo, que mais parece a direção de uma qualquer associação académica, onde a secção de pesca e atividades lúdicas tende a sobrepor-se à secção de direito. São conflitos que calam fundo e estórias de despeito pessoal, sempre mais a pensar nas capelinhas de poder e no posicionamento dos correligionários, às vezes até nos interesses de correntes ideológicas desligadas do país, do que no serviço público e na defesa do bem comum.
Há três casos que mostram, à saciedade, esta desagregação do atual Governo, desgovernado sob a chefia de António Costa.
Há poucos dias, o ministro da Administração Interna, expoente máximo da mais completa incompetência governativa, defendeu a realização das eleições autárquicas em dois fins de semana sucessivos. A ideia, completamente estapafúrdia, foi rejeitada, no imediato, horas depois pelo secretário-geral do PS, na Comissão Nacional do partido. António Costa, afinal desautorizou o amigo Eduardo Cabrita, dizendo que a proposta “era perigosa” e “não fazia sentido”. Mais que um puxão de orelhas, o Primeiro-Ministro estendia-lhe, assim, o tapete vermelho de saída na próxima remodelação. Só Cabrita não consegue ver o que todos vemos. Que já não é ministro, arrastando-se penosamente pela Praça do Comércio.
O segundo exemplo da divisão do Governo é a incrédula e despudorada defesa da operação da EDP, na venda de seis barragens na bacia hidrográfica do Douro, protagonizada pelo ministro do Ambiente. Um estratagema que lesou os contribuintes em 110 milhões de euros, relativos a imposto de selo, não tributado. De cada vez que Matos Fernandes fala sobre este negócio, mais certeza temos de estar perante um porta-voz dos interesses da EDP. Matos Fernandes esquece-se, porém, que a sua função não é ser mandatário da empresa, mas antes a de governar e representar o Estado.
Se para o ministro do Ambiente, cabe à Autoridade Tributária pronunciar-se se deve ou não haver lugar ao pagamento de imposto – e esta posição é um grande avanço em relação à primeira reação do próprio, que dizia ser um abuso o Governo intrometer-se num negócio entre privados – por sua vez, para o ministro das Finanças, deverá haver tributação do imposto, taxado a 15%, caso “se conclua que as operações abrangidas tiveram como principal objetivo, ou um dos principais objetivos, obter uma vantagem fiscal”. Mas afinal, num negócio que é moralmente inaceitável, a todos os títulos, em que é que ficamos? Na benevolente posição pró-EDP ou na exigência de apuramento exaustivo de responsabilidade fiscais?
Finalmente, a terceira matéria que evidencia um Conselho de Ministros de costas voltadas e em decomposição, é a TAP. De um lado, o ministro das Infraestruturas e da Habitação, que pretendia sufragar o plano de reestruturação da TAP, no Parlamento. Do outro, o Primeiro-Ministro que pôs termo a esta jogada de passa-culpas, impedindo que o referido plano não fosse votado na Assembleia da República, considerando que não fazia sentido o Parlamento “substituir o Governo nas funções de governação”. Uma inegável reprimenda de António Costa ao ministro mais trauliteiro do Governo e que até tem a ambição de suceder ao próprio.
O Governo continua a ser palco de uma luta partidária intestina, que pode interessar ao PS, mas que seguramente não interessa nada ao país. Lutas que se estendem às câmaras municipais detidas pelo PS, onde se digladiam as mesmas fações, que querem assaltar o Largo do Rato, através da colocação de “boys” em lugares-chave. Lutas de contagem de armas e de pura distribuição de favores políticos, no PS, enquanto que o país, mergulhado na maior crise dos últimos 100 anos, só quer que o Governo governe, que é aquilo que lhe compete.
Um Governo, onde António Costa, cada vez mais, segue à risca de Lao Tsé: “Mantenha seus amigos por perto e seus inimigos mais perto ainda”. Um Governo balcanizado que, por causa dos jogos de poder, é hoje o maior inimigo de si próprio e, sobretudo, de Portugal.
Artigo publicado originalmente no Povo Livre