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Quando Portugal se prepara, de novo, para entrar em confinamento geral, há questões que merecem ponderação, o que, aliás, deve ser feito no quadro do escrutínio democrático da ação governativa.
Todos lamentamos que o país tenha de entrar, pela segunda vez, em “lockout”, para achatar a curva de infetados, evitar a perda de mais vidas e diminuir a pressão sobre o Serviço Nacional de Saúde. Mas, a verdade é que o Governo teve nove meses para aprender com os erros, antecipar soluções e reforçar a capacidade de resposta do SNS e, ainda assim, o país desembocou numa situação mais grave do que aquela que tivemos no auge da primeira vaga, em abril do ano passado.
Nos últimos sete dias, foram registadas tantas infeções – quase 60.000 – quanto o número de novos casos registados entre março e setembro passado.
Perante este aumento exponencial, a primeira conclusão que, está à vista de todos, é que o Governo falhou. O Governo claudicou na planificação, ou melhor, a falta dela, nomeadamente o Ministério da Saúde, no que concerne a quem está na linha frente e, em particular, com os profissionais de saúde, que, todos os dias, põem em risco a sua própria vida para salvar a nossa.
Estranhamente, o mesmo Governo que em março garantia que ia ficar tudo bem, que em agosto garantia que o SNS estava mais e mais bem preparado para a segunda vaga, que antes do Natal garantia que, com a vacina a caminho, os nossos problemas com a pandemia estavam resolvidos. Porém, todos sabemos que os efeitos positivos da vacinação, designadamente a imunidade em grupo, não terá resultados práticos antes do verão.
Portanto, neste particular, os factos desmentem categoricamente a realidade distante das palavras irritantemente otimistas dos nossos governantes. O Governo diz que, entretanto, comprou ventiladores suficientes, mas nos hospitais não há camas para internamento. O Governo determinou a aquisição de mais equipamentos de proteção, mas os médicos e enfermeiros estão exaustos, porque continuam obrigados a assegurar turnos de mais de 20 horas.
Em plena terceira vaga, há hospitais do Sul a transferirem doentes para hospitais do Norte, internados nos corredores, unidades de cuidados intensivos à beira da rutura, estabelecimentos sem meios adequados, milhares de doentes não-covid com consultas e cirurgias adiadas. Parece mais que óbvio que falar de mais de 10, 20 ou 50 casos diários não é o mesmo que reportar 4, 6 ou 10 mil infetados. E que tem a dizer o Governo sobre as garantias que deu? Não assume as suas responsabilidades?
Era expectável que os casos aumentassem com a abertura concedida na quadra natalícia, mas é absolutamente inaceitável que o Governo não tenha desenvolvido e implementado um plano de ação adequado para combater uma nova vaga, com esta dimensão. Os especialistas de saúde, as ordens profissionais e os diretores hospitalares são unânimes, primeiro nos avisos e agora na análise, emitindo opiniões demolidoras e ao detalhe sobre a falta de planificação do Governo. E é quase anedótica a tentativa de o Primeiro-Ministro querer imputar responsabilidades aos partidos da oposição os erros que cometeu e as más decisões que o Executivo tomou.
Já sabemos que o “uso de máscara, distanciamento social e lavagem de mãos” terá de continuar a ser a mensagem e o procedimento para os próximos meses. Mas ao Estado incumbe um dever maior. Onde estão os hospitais de campanha montados na primeira vaga? Por que demora o Governo a recorrer à requisição civil, quando os hospitais privados divulgaram que têm 880 camas disponíveis para doentes do SNS, 80 das quais para doentes com covid-19? Por que motivo as Forças Armadas não são chamadas a participar nesta frente de guerra que mata todos dias, mais de uma centena de portugueses?
Até na administração de vacinas reina uma completa desorientação do Governo. A página oficial que o Governo utiliza para o efeito não apresenta informação em tempo real. É apenas disponibilizado um gráfico estático com o número de vacinas administradas – 70 mil, em 8 de janeiro – quando o Estado poderia e deveria divulgar um conjunto de informações úteis, como por exemplo, o cronograma com as próximas etapas, o número de vacinas por ARS, ou os grupos-alvo já imunizados. O mesmo Governo que se vangloria a exibir os avanços do SIMPLEX, em pleno cenário de pandemia, derrete-se numa página web, com informação desatualizada e inútil. Não fora o processo de vacinação ser decidido e liderado pela Comissão Europeia e, com toda a probabilidade, ainda nem sequer teríamos um único lote de vacinas ministrado.
Portugal vai confinar, de novo, mas não temos um único motivo para confiar num Executivo que nos deixa à mercê do nosso próprio destino. A pandemia mostra o pior do Governo que, em vez de um Conselho de Ministros, tem um Conselho de Resignados. Acreditar na missão governativa para combater a pandemia é o mesmo que crer no milagre da primeira vaga, para nos salvar da pandemia. Mas o milagre, que afinal não existiu, também não vai acontecer agora. E, mais grave que isso, estamos a caminho do pior ano do século, no índice de mortalidade.
Artigo publicado originalmente no Povo Livre