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O acordo “histórico” no Conselho Europeu – que inclui o Quadro Financeiro Plurianual (QFP) e o Fundo de Recuperação – alcançado há uns dias, sob a batuta da presidência alemã, é globalmente positivo. Sabemos que conseguir um consenso entre 27 líderes de estados com culturas e interesses diferentes é uma tarefa difícil, mas a gravidade da crise económica provocada pela Covid-19 obrigava a equilíbrios políticos difíceis e que devolvessem a confiança e a esperança ao projeto europeu. E, de facto, foi assim que aconteceu. Mas, se por um lado, o acordo é um sinal político importante e uma boa notícia, por outro, houve uma excessiva discussão dos prós e contras para cada Estado em todas as negociações e consequentemente um esvaziamento do pensamento europeu.
Esta opção tem naturalmente impacto profundo na escolha das estratégias nacionais de recuperação económica (curto-prazo) e na sua articulação com os objetivos europeus nos domínios prioritários da economia digital e da transição climática (médio/longo-prazo).
Estaremos no bom caminho?
Não é novidade que ainda nos encontramos numa fase muito incerta no que diz respeito à economia. Mas espera-se que a dimensão da recessão económica seja considerável. As estimativas do Governo português apontam para uma contração (irrealista quando confrontada com as do Banco de Portugal, Comissão Europeia e FMI) do PIB em 6.7%, enquanto a Comissão Europeia já apresentou projeções que indicam um valor de 9.8%. Estes números não refletem, contudo, a possibilidade de uma segunda vaga do vírus e consequente novo confinamento dificultando assim a previsibilidade das projeções económicas. A verificar-se uma segunda vaga, esta levará inevitavelmente a mais desemprego, mais falências e, claro, a uma retoma mais lenta e dolorosa.
Portugal
Do ponto de vista orçamental, e apesar da flexibilização das regras do Pacto de Estabilidade e Crescimento, Portugal era o terceiro país da zona euro com maior dívida pública (118% do PIB) no final de 2018, este é um tema central na definição dos objetivos estratégicos para a recuperação económica.
A quebra nas receitas dos impostos (fruto da paragem da economia), e o aumento das despesas do Estado com a saúde e apoios sociais, a par das transferências para as famílias e empresas fazem aumentar o valor do défice. Tendo o país pouca margem orçamental, os 58 mil milhões de euros que Portugal terá à sua disposição até 2027 (QFP + FR + PT2020) terão de ser, por isso, gastos de forma eficaz, cautelosa e responsável. É fundamental apostar nos setores com componentes de digitalização, que nos permitam ganhos na economia global e apostar em tecnologias e indústrias vocacionadas para a transição energética e para a sustentabilidade ambiental. A inovação, o conhecimento e a tecnologia são determinantes no sucesso de uma recuperação económica que não se fará apenas à custa do consumo interno.
Portugal entrou para a União Europeia em 1986, e desde essa data nunca fomos capazes de deixar o clube dos países da Coesão. O país está hoje em níveis semelhantes a economias de leste, afastando-se cada vez mais do pelotão da frente (os países mais desenvolvidos) do clube europeu. Veja-se, por exemplo, os casos positivos da vizinha Espanha ou da Irlanda.
O plano de recuperação apresentado pelo Eng. António Costa e Silva – muito repetitivo e pouco concreto quanto à prossecução de políticas públicas para o cumprimento dos objetivos que estabelece para a visão estratégica de 2030 – peca por não identificar os fatores cruciais que estão na origem da lentidão da economia portuguesa – como diz o economista e professor universitário Fernando Alexandre – “em acompanhar a velocidade da transformação tecnológica e da globalização”, essenciais para a modernização e competitividade da economia.
Este atraso relativo tem feito Portugal divergir dos congéneres europeus e se não for corrigido nos próximos anos pode bem condenar o país, ainda mais, à sua condição periférica, não retirando partido do mercado interno em toda a sua extensão, nomeadamente através da exportação de serviços de setores estratégicos como por exemplo consultoria e programação informática. A re-industrialização de Portugal e da EU passa em larga medida pela indústria 4.0 e consequentemente pela digitalização.
O impacto da pandemia ficou bem vincado na restauração e hotelaria (turismo), setores que vivem dependentes da circulação de pessoas. É ainda incerto qual será o comportamento do Turismo num cenário pós-pandemia, mas talvez seja oportuno reconsiderar a necessidade de dois aeroportos em Lisboa e priorizar a ferrovia. Veja-se a execução financeira do plano Ferrovia continua a não chegar a 13% (dados de Maio de 2020).
Portugal e a União Europeia
O acordo europeu para o QFP e Fundo de Recuperação resultou de uma solução de compromisso entre os vários líderes europeus e que aconteceu infelizmente à custa de cortes em programas europeus fundamentais para o futuro, entre os quais destaco o EU4Health (saúde), Erasmus + (educação e formação), Horizonte Europa (ciência), Fundo para a Transição Justa (ambiente) e o Instrumento para a Solvabilidade das Empresas (economia). Houve a necessidade política do anúncio de vitória por parte de cada líder europeu em detrimento de programas europeus e verdadeiramente importantes no contexto da globalização.
Numa altura em que a pandemia ainda não terminou, a falta de ambição europeia no domínio da saúde não traz grande conforto e mostra que os governos pouco aprenderam com a pandemia. Também o desinvestimento na ciência a nível europeu é um retrocesso para a competitividade europeia. Sendo as empresas portuguesas tradicionalmente pouco capitalizadas, o abandono do instrumento para a solvabilidade das empresas representa dificuldades acrescidas para a competitividade das PMEs face às concorrentes europeias e de outros continentes. Também o financiamento previsto para apoio humanitário desaparece.
Positivamente há que destacar que os objetivos da neutralidade carbónica e da digitalização não ficam, à partida, comprometidos. E, numa negociação é inevitável haver cedências. Infelizmente os governos europeus decidiram dar primazia aos orçamentos nacionais retirando a natureza europeia a muitos programas estrategicamente relevantes para os europeus.
Sobre o Fundo de Recuperação (NextGenerationEU), do total de 750 mil milhões de euros, 390 mil milhões serão em subvenções (o montante remanescente será em empréstimos), dos quais 312,5 mil milhões são alocados ao Mecanismo de Recuperação e Resiliência da UE (MRR). Deste bolo ficaram alocados a Portugal 15,3 mil milhões em subvenções, para os quais o país terá de apresentar um plano de recuperação que envolvam reformas que promovam a competitividade para poder ter acesso aos fundos.
Importa ainda destacar a emissão de dívida conjunta pela Comissão Europeia, que apesar de não ser absolutamente nova, representa mais um passo na integração económica. Usando a diferença entre o limite dos recursos próprios do orçamento de longo-prazo do QFP – e as despesas reais, como garantia no acesso aos mercados (os chamados headrooms), a Comissão Europeia vai mobilizar fundos nos mercados e canalizá-los para a execução do NextGenerationEU.
A resposta à pergunta se estaremos no bom caminho permanece, por isso, por responder. A decisão e objetivo imediatos tem de ser só uma: a recuperação e a sustentabilidade económica. Há algumas boas ideias mas incerteza sobre que caminho o Governo defende – para que o possamos debater e escrutinar. A conjugação dos objetivos de curto e longo prazo não é clara e Portugal precisa de uma estratégia que seja mais que um conjunto de intenções. Pensar nas novas gerações não pode ser um ‘soundbyte’. As reformas estruturais que, nos últimos 5 anos, ficaram por fazer, representariam agora uma vantagem para Portugal. Infelizmente encontramo-nos numa situação em que a Europa não tem margem significativa para baixar taxas de juro (e assim promover investimento) e em que Portugal não apostou em reduzir a dívida, tendo por isso também pouca margem de manobra.
Temos um Governo limitado na sua ação, dentro de uma comunidade que se reinventou para dar uma resposta capaz a esta ameaça.
Portugal também precisa de se reinventar, afirmando-se como um país na linha da frente da inovação tecnológica, que aposta na exportação de bens e serviços tecnológicos de valor acrescentado, sendo que para tal precisamos de melhorar a aposta no capital humano, na ciência e na inovação e reduzir a carga fiscal sobre empresas e cidadãos.
Estar no bom caminho e ter um futuro melhor é possível e depende de nós e das nossas escolhas.