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O Governo requereu uma autorização legislativa para estabelecer um regime especial de expropriações e constituição de servidões, para os investimentos a realizar no âmbito do Programa de Estabilização Económica e Social (PEES).
De acordo com o Governo, o objetivo da medida é “introduzir a simplicidade e celeridade na tramitação dos procedimentos”. E, de facto, a simplificação é tanta, que aquele regime especial elimina a fase da tentativa de aquisição por via do direito privado, a notificação da declaração de utilidade pública, a notificação de autorização da posse administrativa aos interessados, o direito ao contraditório do expropriado. Isto não é um SIMPLEX, é mais um ELIMINEX.
Expropriar ou constituir servidões já são, de per si, atos excecionais e urgentes, regulados no Código das Expropriações. Por isso, não se compreende que o Governo pretenda criar um regime que estabelece uma exceção à prerrogativa de expropriar e confira prioridade à urgência de tomar posse, ainda por cima, não respeitando, nem os direitos dos expropriados, nem observar os princípios da legalidade, justiça, proporcionalidade, imparcialidade e boa-fé.
Mais parece uma deriva gonçalvista. Mas trata-se certamente de um equívoco ideológico, porque o PREC pertence à história, em 1975. Mas estamos em 2020, e entre o preconceito ideológico e tanta azáfama legislativa, ao Governo apenas escapou o pormenor de conformar este regime com os princípios do Estado de Direito e com a Constituição. Num Estado de Direito não pode valer tudo, sobretudo, quando está em causa a proteção da confiança dos cidadãos.
Em consciência a um pedido de autorização legislativa desta natureza, o Parlamento deveria responder com uma ordem de proibição legislativa, já que o diploma do Governo teve uma única preocupação a declaração da utilidade pública e o carácter de urgência das expropriações, descurando e sacrificando, de forma grave, o direito à propriedade privada, consagrado na Constituição.
Esta tutela constitucional não é incompatível com a compressão do próprio direito, mas estas restrições devem ser adequadas ao fim de utilidade pública, o que no caso, em concreto, pode também ferir o princípio constitucional da proporcionalidade.
Este regime excecional exclui a aquisição dos bens por via do direito privado e impede que os expropriados exerçam o contraditório, pelo que a decisão unilateral de expropriar só poderá ser impugnada em sede de contencioso administrativo, na maior parte dos casos, como sabemos, com prejuízos graves para os expropriados, quanto ao justo valor dos bens.
Se a declaração de utilidade pública é publicada apenas com a planta aprovada ou com o mapa das áreas e a lista de proprietários, os interessados também não têm como defender-se daquela desproporcionalidade, porque permanecem em desconhecimento de causa até àquele momento.
Há ainda outro efeito bizarro. Basta tão só esta publicação do ato declarativo da utilidade pública, para haver lugar, de imediato à posse administrativa dos bens expropriados.
Não se compreende esta restrição injustificada do direito à propriedade privada, nem a forma manifestamente desproporcionada como o Governo pretende fazer prevalecer a própria noção de interesse público.
O Governo e o PS, a coberto da pandemia pensa que vale tudo, que pode tudo, até quando está em causa a proteção da confiança dos cidadãos. A esquerda, que no passado recente, a cada vírgula mal colocada reclamava a intervenção do Tribunal Constitucional, assobia agora para o lado, mesmo quando estão em causa princípios constitucionais.
E, neste quadro, o PSD não está uma, nem duas, mas três vezes contra. Contra esta espécie de confisco. Contra esta perigosa arbitrariedade. Contra esta negação do Estado de Direito.
O pedido do Governo é um diploma sem PEES – leia-se Programa de Estabilização – nem cabeça. Em vez de um estado de contingência, esta autorização legislativa pode colocar o País em estado de sítio.
Artigo publicado originalmente no Povo Livre