José Cancela Moura: De punho cerrado

8 de outubro de 2020
PSD

António Costa convive demasiado mal com a crítica. Qualquer opinião ou posição diferente à opinião dos socialistas é sempre interpretada como uma ameaça e, na melhor oportunidade, quem não está alinhado é imediatamente afastado. Foi assim com a anterior Procuradora-Geral da República, Joana Marques Vidal, que não foi reconduzida. É agora, com o presidente do Tribunal de Contas (TdC), que paga caro o preço da liberdade e da independência e também não será reconduzido em funções.

Recorde-se que esta decisão comporta uma exceção, uma vez que, desde 1977, todos os responsáveis do TdC foram sempre reconduzidos no cargo. Pinheiro Farinha (1977-1986), Sousa Franco (1986-1995), Alfredo José de Sousa (1995-2005), Guilherme D’Oliveira Martins (2005-2015), todos cumpriram dois mandatos.

E este afastamento de Vítor Caldeira tem uma estranha coincidência. Acontece após a mais recente crítica – diga-se, legítima e assertiva – do TdC sobre as mudanças que o Executivo quer introduzir no Código dos Contratos Públicos (CCP). A crítica não podia ser mais contundente. As alterações são “suscetíveis de contribuir para o crescimento de práticas ilícitas de conluio, cartelização e até mesmo de corrupção na construção pública”. Também a Ordem dos Engenheiros, a Autoridade da Concorrência e duas associações de empresas de construção e obras públicas (a AICCOPN e a AECOPS) discordam e acompanharam as críticas à proposta do Governo.

O reparo pode ser premonitório. Portugal aguarda a injeção de 57 mil milhões de euros de fundos europeus, para financiar muitos projetos – estradas, pontes, habitação social, equipamentos públicos e um sem número de novas obras e investimento – num contexto de recuperação económica pós-pandemia. Apesar de existirem, nada mais nada menos do que 10 entidades destinadas a fiscalizar a aplicação daqueles fundos – as autoridades de gestão dos programas operacionais, a Agência para o Desenvolvimento e Coesão, a Inspeção Geral de Finanças, a Polícia Judiciária, o Departamento Central de Investigação e Ação Penal, o Tribunal de Contas, o nacional e o europeu, a Comissão Europeia e o Organismo Europeu de Luta Antifraude – é fundamental “assegurar que o dinheiro do orçamento europeu e do Next Generation EU está protegido contra qualquer tipo de fraude, corrupção e conflitos de interesse”, conforme avisa a Presidente da Comissão Europeia.

António Costa convive, de facto, muito mal com a democracia. Relembro outro episódio e outro registo. Em 2015, o secretário-geral do PS, enviava um SMS a um dos diretores-adjuntos do “Expresso”, na noite do 25 de abril desse ano, a propósito de um artigo que o jornalista escrevera sobre as suas propostas económicas. “Senhor João Vieira Pereira, saberá que, em tempos, o jornalismo foi uma profissão de gente séria, informada, que informava, culta, que comentava. Hoje, a coberto da confusão entre liberdade de opinar e a imunidade de insultar, essa profissão respeitável é degradada por desqualificados, incapazes de terem uma opinião e discutirem as dos outros, que têm de recorrer ao insulto reles e cobarde para preencher as colunas que lhes estão reservadas. Quem se julga para se arrogar a legitimidade de julgar o carácter de quem nem conhece? Como não vale a pena processá-lo, envio-lhe este SMS para que não tenha a ilusão que lhe admito julgamentos de carácter, nem tenha dúvidas sobre o que penso a seu respeito. António Costa”.

Não resta ponta de dúvida sobre o que devemos esperar do PS, nem o que pensar politicamente de António Costa. “Quem se mete com o PS leva”, é o denominador comum. Quem opina e critica António Costa, se for jornalista, no mínimo, recebe avisos e ameaças, de quem cometeu delito de opinião, ou, se for titular de um órgão de soberania, na órbita das nomeações, arrisca-se, de imediato, a ser excomungado, por não professar a religião instituída.

Definitivamente, a imoralidade e a intolerância andam à solta e de punho cerrado.

Artigo publicado originalmente no Povo Livre