José Cancela Moura: A bolha

28 de outubro de 2020
PSD

A segunda vaga da pandemia ainda agora começou e já pôs a nu a onda de desorientação em que navega o Governo. E o Primeiro-Ministro é o rosto da incapacidade confrangedora de uma equipa, que se senta semanalmente à mesma mesa, mas parece pertencer a governos diferentes, tal é a descoordenação com que decide, que impunha, por exemplo, que a ação da ministra da Saúde fosse muito para além da simples apreciação dos relatórios de avaliação.
A situação sanitária é ainda mais grave do que em abril, mas o Governo não para de nos surpreender, sempre pela negativa, sobretudo porque está a adiar o inevitável. É incontornável a adoção de medidas mais musculadas, mais robustas e mais assertivas para travar as cadeias de contágio e minimizar o impacto exponencial da segunda vaga da epidemia. Medidas que dependem da coragem, que o Governo não tem, do exercício de autoridade, que o Governo não assume, e do cumprimento escrupuloso das regras do Estado de direito, que o Governo ignora. Não se confunda, no entanto, autoridade com autoritarismo.
Autoritarismo que radica, por exemplo, na decisão unilateral do Conselho de Ministros, que decretou a proibição de circular entre concelhos, no período de 30 de outubro a 3 de novembro, socorrendo-se apenas e só da Lei de Bases da Proteção Civil.
A autoridade, pelo contrário, obedece sempre à lei e à Constituição, de que o Governo se esqueceu. Se é necessário suspender ou restringir direitos, liberdades e garantias, então o Governo só pode fazê-lo, no âmbito do estado de sítio ou do estado de emergência. De repente, damo-nos conta de que uma mera resolução do Conselho de Ministros parece ter mais força e validade que a própria Constituição, para que nem sequer foi convocada a Assembleia da República. É uma democracia híbrida, à la carte, muito ao jeito dos socialistas. 
Autoridade é também dar o exemplo, pelas decisões, para o nosso comportamento coletivo. A permissão para celebrar o desconfinamento com a realização de um espetáculo no Campo Pequeno, da manifestação do 1.º de Maio e a da festa do Avante!, a pretexto do exercício dos direitos cívicos e políticos ou do Grande Prémio de Portugal de Fórmula 1, com a justificação de uma pretensa normalidade, mostram um aparelho do Estado à deriva, a decidir, conforme a conveniência, para agradar às clientelas partidárias e aos interesses económicos e corporativos. E depois, aqui-d’el-rei que os cidadãos não acatam as orientações das autoridades de saúde. É uma clamorosa derrota do interesse público.
O socialista, laico e republicano António Costa, estranhamente, ou não, tão igual ao Rei-Sol, Luís XIV, “Je suis la Loi, je suis l'Etat. L'Etat c'est moi".
Se Portugal está a atravessar uma nova fase particularmente grave da pandemia, aliás, previsível há muitos meses, ninguém compreende como é que o Governo continua a empurrar os assuntos com a barriga, sobretudo as decisões que verdadeiramente importa decidir, nomeadamente no âmbito das questões sanitárias, económicas e sociais.
A receita é sempre a mesma. Desviar as atenções do que é verdadeiramente essencial, cogitando em torno de assuntos laterais, beneficiar um setor em detrimento do todo, colocando uns contra outros. É, afinal, a receita de quem, na verdade, não tem estratégia e faz navegação à vista. 
O absurdo das polícias poderem averiguar a instalação de uma aplicação nos nossos telemóveis, para prevenir e controlar as cadeias de contágio ou a própria obrigatoriedade de instalar a aplicação StayAwayCovid são exemplo disso mesmo.
Esta ideia peregrina caiu por terra e, em poucos dias, o Primeiro-Ministro infletiu e recuou envergonhado na proposta e para consumo interno desabafou que teria havido “má compreensão e seguramente má explicação” da medida. Na verdade, convenhamos, que António Costa nunca quis explicar nada, mas antes decidir à revelia e à distância dos problemas, dirigindo-se ao País como se estivesse a falar para uma plateia de fervorosos e inflamados militantes socialistas.
É uma autêntica bolha, socialista, de auditórios combinados e de palmas orquestradas. 
António Costa, que foi o construtor-mor da geringonça, é todos os dias, e cada vez mais, em fim de ciclo, o arquiteto da nossa desgraça. Decretada a certidão de óbito da geringonça, já só falta saber quando tempo mais vamos aguentar a pandemia deste desgoverno.

Artigo publicado originalmente no Povo Livre