«É tempo de que este país encontre um rumo definido de recuperação e de desenvolvimento. Somos um país pobre em recursos materiais, mas mesmo os poucos que temos estamos a desperdiçá-los. Somos ricos em recursos humanos que se encontram abandonados.»
Francisco Sá Carneiro, Assembleia da República, 1978
Numa entrevista informal a um programa de televisão, o fadista Rodrigo, disse que admirava Sá Carneiro, que o tocara de forma muito peculiar, pelo caráter e pela simplicidade como definira a política e a social-democracia: “produzir para repartir”.
As palavras mais simples são, porventura, aquelas que ficam gravadas na nossa memória para sempre. As palavras de Sá Carneiro, replicadas por um fadista, em conversa sincera e distendida, num programa de entretenimento, mostram quão vivo está o pensamento do fundador do PPD. Ontem como hoje, porque o exemplo único de Sá Carneiro se valoriza a própria passagem do tempo.
Todos reclamamos um País melhor, mas é na nossa organização como Estado que começa o caminho difícil de realizar as aspirações de um povo.
Sá Carneiro acreditava nas pessoas, mesmo que lhes reconhecesse defeitos. E colocava as pessoas no centro do pluralismo, da economia, das crises, das desigualdades, da intervenção política e da cidadania. Sá Carneiro era um político frontal, sem ambiguidades. Dizia o que pensava e rompeu com o statu quo, mesmo se isso fosse condição para, depois, voltar a agregar. Ficou célebre o “Nunca me senti tão sozinho e nunca tive tanta certeza de estar tão certo”.
Com uma personalidade forte e multifacetada, Sá Carneiro é diferente, irrepetível e impagável. Juntava qualidades aparentemente contraditórias, mesmo inconciliáveis, com uma força interior e firmeza de convicções, absolutamente invulgares, que o colocaram sempre o passo á frente do seu tempo.
É raro encontrar qualquer outra personalidade nacional que haja construído um legado que ainda hoje pode servir de inspiração para um projeto de governação reformista. De tal modo que mesmo aqueles que resistiram anos a fio às reformas que preconizava, as aceitaram depois, pacificamente.
Para termos ideia da dimensão da obra de Sá Carneiro, basta lembrar que 40 anos depois, a AD – Aliança Democrática ainda é reconhecida como um projeto de governação que ganhou o reconhecimento do país, com a primeira maioria absoluta e iniciou um novo ciclo político. Um percurso de 11 meses, infeliz e abruptamente interrompido, com a morte súbita de Sá Carneiro, que pese embora o desaparecimento físico, continua a ser uma referência de um país adiado.
Dos três “D”, de Abril, apenas dois efetivamente se realizaram, Democratizar e Descolonizar. Falta cumprir o “D” de Desenvolver, mas da forma que Sá Carneiro aspirava e o povo quer.
Sabemos que o pressentimento de morrer cedo se cumpriu. Há, porém, um facto que Sá Carneiro não poderia imaginar. Portugal seria seguramente melhor, muito melhor, se um quarto “D”, o de Destino, não tivesse interrompido de forma trágica, uma vida “que só concebia (…) se fosse vivida vertiginosamente”, como ele próprio dizia.
Não podemos, pois, nem devemos desistir do sonho de Sá Carneiro, um estadista inigualável, pela memória, pelo humanismo personalista que nos deixou e pelo projeto político que deixou a Portugal.
José Cancela Moura
Artigo originalmente publicado do Povo Livre