Bruno Coimbra: Os sete pecados ambientais do PRR

12 de abril de 2021
CEN prr Ambiente fundoseuropeus

O Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) apresentado pelo Governo é como uma moeda bicolor, com uma face visível – nova, verde, ecológica, sustentável – e uma outra - velha, cinzenta, raspada - marcada pelos mesmos riscos e opções erradas de sempre. Para além de tudo o que tem sido analisado sobre o fictício processo de discussão pública e sobre as brechas na vertente socioeconómica, importa também olhar à dimensão ambiental, já que, além da importância que é dada a esta vertente, há obrigação de investir pelo menos 37% da dotação com objetivos de combate às alterações climáticas. 
Fazendo girar a moeda para vislumbrar ambos os lados, saltam à vista as lacunas - quais Pecados Capitais (ou ambientais) - que este PRR encerra, dados os desafios que enfrentamos e tudo aquilo que ele poderia representar para o país:

1. A adaptação às alterações climáticas é desvalorizada em relação à mitigação
A alocação financeira face às prioridades de ação climática está muito desequilibrada a favor da mitigação (redução das emissões com gases com efeito de estufa). No PRR há até uma constante repetição das metas do Programa Nacional Energia Clima (PNAC 2030). Ao invés, escasseiam as referências à vertente de adaptação. Apenas na componente C.9 Recursos hídricos há essa preocupação de forma explicita, sendo que só nessa secção aparece uma referência à Estratégia Nacional de Adaptação às Alterações Climáticas (ENAAC 2030). Sendo o PRR focado na resiliência devia de existir um maior foco nas ameaças para as quais nos queremos preparar face ao futuro.

2. Ausência de investimentos em proteção do litoral e combate à erosão costeira
A resiliência do litoral devia ser uma prioridade num país costeiro como Portugal, requerendo abordagens preventivas e não meramente defensivas. É no litoral que se concentra a maior parte da população e das atividades económicas. A erosão e o recuo da linha de costa é especialmente preocupante na região Centro com várias comunidades ameadas por galgamentos oceânicos em período de maior agitação marítima. Soluções como o recuo planeado em zonas de elevado risco ou a gestão sistémica de sedimentos requerem investimentos de longo prazo. Importa ainda considerar a tendência de longo prazo de subida do nível médio do mar e do seu impacto na nossa linha de costa. Um plano focado na resiliência nacional não pode ignorar esta dimensão… mas ignora.

3. O setor dos resíduos tem uma dotação… residual
A componente C12. Bioeconomia sustentável prevê utilizar resíduos como recursos numa lógica de economia circular, mas esquece a situação que se vive neste setor. Portugal está numa situação de incumprimento das mais diversas metas. A redução dos resíduos remetidos para aterro devia ser uma prioridade, e o PRR deveria ser olhado como uma ferramenta também para esse desígnio. É unanimemente reconhecido que faltam investimentos nos sistemas de gestão de resíduos para darem respostas a metas mais exigentes e à implementação de novos fluxos específicos como os bioresíduos, contudo, o governo que apenas se focou em abruptamente a Taxa de Gestão de Resíduos (TGR) para inverter o panorama, insiste em manter uma visão insuficiente para o problema. Se há setor na área do ambiente em que é necessário recuperar e investir em resiliência, esse setor é o dos resíduos

4. Biodiversidade: um silêncio ensurdecedor
Esta é uma ausência especialmente notada. O Governo não considerou relevante incluir a problemática no PRR. Além da inquestionável importância que esta temática tem para o país, é de referir que até o Mecanismo Europeu de Resiliência salienta a sua importância chegando a referir (no Ponto preambular 24) o seguinte: Refletindo a importância de combater a perda dramática de biodiversidade, o presente regulamento deverá contribuir para integrar a ação em matéria de biodiversidade nas políticas da União.
  
5. Habitação: uma área com grande dotação, mas enviesada ideologicamente
O PRR preconiza soluções ideológicas e assistencialistas em detrimentos de soluções mais estruturais vocacionadas para a generalidade da população. Basta ler o diagnostico feito, para perceber o desfasamento do documento face aos reais desafios de acesso à habitação.
A componente C.2 Habitação prevê 2782 M€ a que se junta ainda a componente C4. Eliminação de bolsas de pobreza nas Áreas Metropolitanas de Lisboa e do Porto (250 M€) que tem logicamente afinidades com o acesso à habitação e que poderá ser mais uma “gaveta” para o mesmo problema. Adicionalmente, o PRR apresenta também a componente C.13 Eficiência energética em edifícios (620 M€) com parte desta dotação afeta a setores domésticos…uma área vital, que apesar de ter uma dotação muito relevante tem sido constantemente ignorada ou abordada de forma inconsequente pelas políticas do governo. 
Estas três componentes, com um valor global de 3652 M€, estão dissociadas, quando poderiam ser tratadas numa lógica conjunta de ordenamento do território e regeneração urbana, assegurando os desígnios de habitação, igualdade social e eficiência energética. Ainda este mês vimos o Partido Socialista a chumbar novamente propostas do PSD para utilização de parte destes montantes na promoção da eficiência energética e no combate à pobreza energética.

6. Solos contaminados e recuperação de passivos ambientais
O governo insiste em ignorar os problemas contaminação de solos existentes em vários pontos do território nacional. Com todos os passivos ambientais que temos por recuperar e as conhecidas debilidades legislativas que o governo insiste em não solucionar e que fazem do nosso país dos mais desprotegidos da Europa a este nível, o governo volta a “meter a cabeça debaixo da terra”… não para resolver, mas para não ver. 
Este PRR descura as possibilidades para investir na regeneração de antigos territórios com usos industriais, cujos legados de poluição colocam riscos em risco as populações locais, a saúde pública, a biodiversidade e os ecossistemas.

7. A gestão hídrica…a meter água? 
Nesta que deveria ser uma área prioritária do PRR, o governo evidência uma visão curta e pouco condizente com a relevância do assunto e a dimensão dos problemas. A gestão dos recursos hídricos tem de ser uma prioridade política e um âmbito a financiar dados os desafios que Portugal enfrentará no futuro, sobretudo nas regiões a sul.
Não deixa de ser surpreendente que nesta área, por um lado, o governo ignore grande parte da realidade nacional, e por outro, integre no PRR soluções que não foram ainda devidamente discutidas, que carecem de maturidade técnico-científica e que terão de ser devidamente avaliadas sob pena de não terem condições de implementação. A própria Comissão Europeia poderá recusar a elegibilidade de alguns projetos, tal como já o sinalizou em relação ao aproveitamento hidráulico de fins múltiplos do Crato. Colocar no PRR projetos sem viabilidade é como matar a sede com água...salgada.

Estes são sete pecados ambientais (capitais) do PRR. As diferenças para os correspondentes documentos estratégicos de outros países da União Europeia, são abissais.  Portugal, os desafios (ambientais e não só) que enfrentamos, agravados pela crise pandémica atual, exigem outras respostas e ambição por parte de quem nos governa.  

Bruno Coimbra
Secretário-Geral do CEN
Coordenador do Grupo Parlamentar do PSD na Comissão de Ambiente, Energia e Ordenamento do Território