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Graça Fonseca é, depois de Mário Centeno, o membro ministerial mais próximo da porta de saída do Governo. Por culpa própria e pelo próprio pé. É só uma questão de tempo até que a ministra da Cultura deixe de dirigir uma pasta que, desde o início, geriu de forma atabalhoada, cometendo erros e omissões graves e tomando decisões precipitadas.
O Governo criou o Ministério da Cultura com a intenção de conferir maior dimensão e maior visibilidade política e, sobretudo, para mudar o paradigma da cultura. Mas, na prática, as intenções da tutela, continuam a passar completamente ao lado dos objetivos e das necessidades dos agentes da cultura e do meio artístico.
Na passada quinta-feira, em Coimbra, o Primeiro-Ministro anunciou a criação de uma nova linha “de 30 milhões de euros, para programação cultural dos municípios, que são dos maiores investidores em cultura”, uma decisão para a qual os municípios não foram tidos, nem achados. Mas na verdade, o Governo só proclama uma decisão, onde as autarquias são o principal instrumento e fonte de investimento.
Como também aconteceu, no passado recente, com a educação, o ambiente e a ação social, o Governo demite-se pura e simplesmente das suas próprias competências e chuta para as autarquias a responsabilidade de executar o seu compromisso eleitoral com os portugueses.
No caso, o Governo, na linha das trapalhadas do Ministério da Cultura, anuncia 30 milhões de euros, que afinal são subtraídos ao programa pré-existente, “Cultura para Todos”, para outra finalidade, à boleia da pandemia.
Com a agravante de, neste caso, deixar cair a prioridade da inclusão social através da cultura, que promovia as práticas artísticas por e para grupos desfavorecidos e a igualdade de oportunidades na fruição cultural, para privilegiar, numa “nova” linha de financiamento, a programação cultural, para alavancar o turismo.
Afinal, este passe de mágica, corresponde, nem mais, nem menos, numa reprogramação de fundos europeus. Assim, é fácil tomar decisões. O que não é fácil, é viver com 219 euros, que é o valor mensal do apoio público que uma boa parte dos trabalhadores independentes, na área da cultura, recebeu no âmbito desta crise sanitária.
Graça Fonseca é ministra do nada e do absurdo.
Na investida que arranjou, por causa das touradas, em plena feira literária de Guadalajara, onde também reconheceu, com uma estranha naturalidade, não ler jornais portugueses durante quatro dias, na arrogância com que trata a contestação dos artistas, no novo modelo de apoio às artes, que deixou sem apoio 75 das 177 candidaturas e, recentemente, na nebulosa atribuição de subsídios aos grupos de comunicação social, que até teve direito a um erro grosseiro na verba atribuída a um dos jornais.
A esta bizarra forma de decidir, junta-se, agora, este malabarismo de alocar verbas comunitárias, não executadas ou descomprometidas, para apoiar um setor que, formalmente, tem um Ministério, mas que, na prática, atua como uma direção-geral de apoio aos às artes. Tira-se dali e executa-se acolá.
Pelo menos, não falha ao enquadramento, num Governo onde ninguém sabe de nada.
Tal como referi na última audição regimental, a propósito da eventual alienação dos terrenos do Centro de Produção Norte da RTP, já não nos espanta o estado de negação da Ministra da Cultura: “Este Governo, tem para nós um traço comum, que é não saber nada. O ministro das Infraestruturas não sabia dos prémios da TAP, o Primeiro-Ministro não sabia dos 850 milhões do Novo Banco e agora, a senhora Ministra da Cultura também não sabe o que o Conselho de Administração da RTP anda a fazer”.
De forma original, um grupo de profissionais das artes lançou um “crowdfunding” e deu-lhe um nome: “Não deixemos a Graça cair na desgraça”, com direito a vigília nacional, em 17 cidades. Os profissionais do teatro, cinema, música e dança olham para o futuro do setor, em tons de preto e branco, muito negro.
Os inexplicáveis critérios de financiamento, a insensibilidade perante a precariedade dos profissionais e o snobismo com que a ministra que privilegia os centros artísticos do costume, fazem o retrato de um Ministério que acumula fragilidades e (des)Graça.
As salas de espetáculos estão encerradas até junho, e, infelizmente, vão continuar sem receber aplausos, nem políticas consistentes. A Cultura não precisa de esperar por uma segunda vaga pandémica, porque muitos agentes já não vão resistir ao primeiro embate de uma política cultural, que tem tanto de desastrosa como de socialista.
Artigo publicado originalmente no Povo Livre