José Cancela Moura: Hipocrisia, camaradas!

19 de agosto de 2020
PSD

 

Os principais partidos, à exceção do PCP, decidiram que, face às atuais circunstâncias de exceção, este ano não promoveriam as tradicionais “rentrées” políticas. Porém, o PCP, uma vez mais, julga-se acima da lei, dos procedimentos sanitários, dos factos e dos números e persiste em realizar a festa do Avante!

Em plena pandemia, o PCP quer contornar as recomendações da Direção-Geral da Saúde e ainda por cima, quer passar incólume junto da opinião pública. Mesmo num ano atípico, marcado pelas exigências sanitárias e pela perda de rendimentos, na crista da maior crise económica de sempre. Mas o PCP acha que pode juntar milhares de pessoas, sem correr o risco de promover surtos de infetados e novas cadeias de transmissão. O vírus não é de esquerda, nem de direita. Não escolhe ideologias e nem Marx o impedirá de contaminar os camaradas.

E não interessa se são 100.000 ou 33.000 pessoas, distribuído em cada um dos dias. Até esta aparente cedência da organização – que é a única – é sinal de um certo chico-espertismo de alguém que pretende atirar areia para os olhos de toda a gente.

O Governo, que decretou três períodos de estado de emergência, não tem coragem de proibir um megaevento que coloca em risco a saúde pública. Um Governo que quer fazer letra morta e ou fazer de conta que desconhece a Lei n.º 19/2020, de 29 de maio, nos termos da qual é proibida até 30 de setembro a realização, em recintos cobertos ou ao ar livre, de festivais e espetáculos de natureza análoga. Um Governo que convive mal com a era do pós-Geringonça e faz fretes avulsos à esquerda. Já foi assim, com a CGTP, nas manifestações do 1.º de Maio, na Alameda, depois com os comícios do PCP e agora a festa do Avante! É caso para dizer: “Assim se vê, a força do PC!”.

Os outros, que somos nós, que reclamamos a defesa da saúde pública, como de costume, ainda somos acusados, ou de ser reacionários, por restringir direitos ou de alimentar o discurso do medo, sem justificação.

A Direção-Geral da Saúde tem o dever e a obrigação de determinar procedimentos coerentes, seguindo o histórico de decisões dos últimos meses para todos os portugueses, sem exceção. O povo não aceita a cassete gasta e hipócrita de Jerónimo Sousa, que assegurou que a Festa do Avante! não se faz por questões financeiras, mas para dar esperança às pessoas.

A sério? O PCP ainda dá esperança? Pode crer camarada que a sociedade civil prescinde dessa expectativa. Faz tanta falta a Portugal, como a viola num enterro. É o PCP rendido ao capitalismo necessário em setembro, que mantém a sua iniciativa política, na Quinta da Atalaia e do Cabo da Marinha, na Amora, com a faturação diária de 33 mil EP, entre 4 e 6 de setembro. Não é o povo, mas o capital – e sem IVA – quem mais ordena.

A nota do Gabinete de Imprensa do PCP, de 14 de agosto pode ler-se que “Na Festa do Avante! estão assim reunidas as condições de proteção e segurança iguais ou superiores às de atividades e contextos que marcam a restante vida social – do acesso à praia à presença nos múltiplos espetáculos e festivais já realizados ou agendados, até à mera circulação em muitas ruas e praças do País”.

É um ensaio de intenções e uma peça de retórica.

A pior forma de autoridade é aquela que cai nas suas próprias contradições e fica à mercê de argumentos, que podem ser muito comunistas, mas muito pouco comunitários e cujos fundamentos ninguém percebe. O PCP diz-se imune à pandemia e reafirma a arrogância de um partido fiel às suas convicções fossilizadas, mas longe da realidade da vida e da sociedade.

Afinal, este ano, o slogan que promove a iniciativa, tem de ser mesmo interpretado em sentido literal: “Não há festa como esta!”. E, ao contrário do que cantam os camaradas, o sol só brilhará para alguns de nós.

 

Artigo publicado originalmente no Povo Livre