Desde 2017 que o norte de Moçambique tem sido assolado por uma violenta e criminosa onda terrorista. Grupos fundamentalistas, nomeadamente o Ansar al-Sunna, fação pertencente do autoproclamado Estado Islâmico, assassinam civis e militares da forma mais vil e cruel, semeiam o caos e apropriam-se, inclusivamente, dos recursos naturais da província de Cabo Delgado.
Nestas circunstâncias é mais o Cabo Esquecido, nas palavras da repórter do “Jornal de Notícias”, Ana Sofia Rocha, que a própria escolheu para classificar a insustentável situação dos locais.
A comunidade internacional condena, mas pouco mais faz. Esta semana a organização Save the Children fez uma denúncia que deveria envergonhar toda a comunidade internacional. Há crianças que estão a ser decapitadas pelos fanáticos militantes deste grupo jihadista. A carnificina já matou mais de 2.500 pessoas, deslocou 200.000 moçambicanos e mais de 1 milhão vive em condições de fome severa.
Portugal tem duas vezes o dever e a obrigação de exigir que as organizações multilaterais, os Estados e as nações livres encontrem uma solução, lançando uma operação no terreno, em cooperação com as autoridades nacionais, para acabar com esta matança. Primeiro, porque, tendo em conta a ligação histórica e afetiva com os moçambicanos, conhecemos o território melhor que ninguém. Segundo, porque, por via da presidência do Conselho da União Europeia, estamos obrigados a alertar os 27 estados-membros para a necessidade de uma solução que ponha termo a este bastião de terrorismo, em definitivo.
O PSD tem insistido em promover um conjunto de iniciativas, no quadro parlamentar, para denunciar os factos e apelar à diplomacia internacional, nomeadamente à União Europeia e para condenar os atos terroristas de Cabo Delgado, que teima em persistir como um não-assunto, sistematicamente subalternizado pelos estados de emergência e pelos números dramáticos da covid-19. O extermínio em Cabo Delgado reclama uma intervenção musculada da União Europeia, que tem sido o maior investidor na paz e na segurança em África. A Política Comum de Segurança e Defesa impõe uma atuação urgente com essa finalidade.
“A PPUE trouxe também para a ordem do dia o apoio a Moçambique e a intensificação da parceria com África, quer no plano do desenvolvimento, quer no da segurança”, anunciava orgulhoso, o Ministro do Estado e dos Negócios Estrangeiros a um semanário, na passada sexta-feira.
Porém, o que se constata é que as primeiras dez semanas da presidência do Conselho da União Europeia deram pouco fôlego à causa de Cabo Delgado. O Governo não pode ficar-se pela retórica. Tem de mobilizar todos os canais diplomáticos para que a última solução, o contra-ataque ao abrigo do Direito Internacional e da Organização das Nações Unidas, possa acabar com esta chacina que se arrasta há demasiado tempo. A missão de ajuda humanitária não irá seguramente resolver o problema. A crise que antes era de assistência material, passou também a ser uma obrigação moral, tendo por pano de fundo a defesa dos princípios em que assenta a ordem internacional.
O terror que fustiga Cabo Delgado não pode ficar impune, nem corresponder apenas a mais uma tragédia de mero registo estatístico, sobre uma história de sofrimento desprezado pela comunidade internacional que, se fosse mais ágil e solidária, já teria resolvido a assunto, mesmo que para tanto tivesse de recorrer às armas, para salvar vidas e repor a paz. A guerra, a violação dos direitos humanos, a fome, a miséria e o medo – e já não basta a imprevisibilidade destruidora dos desastres naturais – têm constituído a sina das últimas gerações de moçambicanos.
“Quem vive num labirinto, tem fome de caminhos”, escreveu Mia Couto. De igual modo, quem vive, à beira do precipício, numa das nações mais massacradas pela guerra civil, também anseia por um sinal de esperança e precisa, com urgência, de escrever uma página de prosperidade e desenvolvimento. Cabo Delgado, infelizmente, é por enquanto o Cabo Ignorado.
Artigo publicado originalmente no Povo Livre